por Antônio Laranjeira

O InfoSãoFrancisco usou a Lei de Acesso à Informação para fazer 90 pedidos. Nos achados as respostas nem sempre apontavam soluções para problemas ambientais do rio São Francisco. Relembramos nesse artigo aquilo que querem que você se esqueça…


Em abril anunciamos que o InfoSãoFrancisco foi um dos 12 projetos selecionado para o Edital Achados e Pedidos. Quatro meses depois, aqui estamos para apresentar uma síntese da nossa experiência com a Lei de Acesso à Informação (LAI). Acionamos órgãos como agências, ministérios e companhias públicas de gestão do rio São Francisco.

Achados e Pedidos é uma plataforma que reúne milhares de pedidos de acesso à informação de cidadãos e as respostas da administração pública feitas via LAI. O projeto é realizado pela ONG Transparência Brasil e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e recebe financiamento integral da Fundação Ford.

A LAI, como é conhecida a Lei 12.527/2011, foi instituída no Brasil para regulamentar o direito de acesso às informações públicas. Essa lei estabelece as diretrizes e os procedimentos que devem ser seguidos pelos órgãos públicos para garantir a disponibilidade e a transparência das informações solicitadas pelos cidadãos – inclusive jornalistas.

A Achados e Pedidos permite a busca ágil e eficaz por milhares de “pedidos” e seus “achados” – daí a origem do nome criativo. Contaremos neste artigo como conseguimos no InfoSãoFrancisco desvendar e indicar pistas sobre problemas graves e complexos, esquecidos ou anistiados pela grande imprensa, que afetam esse ecossistema.

Indo fundo nas estatísticas

Na busca por “Rio São Francisco” na plataforma, obtivemos como retorno 81.941 pedidos – busca feita em julho de 2023. Os municípios aparecem no ranking como os menos cobrados via e-SIC, logo os menos fiscalizados. Por sua vez, a esfera federal é a mais cobrada, tanto nos âmbitos Legislativo, Executivo e Judiciário.

Na esfera municipal foram 21.528 pedidos, na estadual foram 2.900 pedidos e na federal 57.513 pedidos. Isso demonstra o quanto os governos estaduais são pouco responsabilizados pelas atribuições legais e pouco cobrados pelos cidadãos.

Em quatro anos de cobertura jornalística orientada por dados e documentos, é notável uma escalada de decisões danosas ao meio ambiente tem sido registrada pela equipe do InfoSãoFrancisco em ação de modo voluntário, contraespecialista e com financiamento alternativo.

Dividida em subregiões, a bacia tem diferentes realidades, todas elas regidas pelo curso das águas livres. As barragens criadas pelas usinas hidrelétricas (UHE) ditam os rumos do maior rio nacional que tem seu volume drasticamente reduzido entre a nascente e sua foz.

Essa água represada serve para abastecer sistemas agropecuários de diferentes estados – Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas – o que inclui a megaobra de transposição do São Francisco.

A vazão das águas para quem vive na margem do Velho Chico é um tema de impacto individual e coletivo. Diria que é o equivalente às notícias das chuvas para quem dirige em meio a uma metrópole, desviando de alagamentos e buscando rotas alternativas. Para se ter ideia da comparação, sem água no Baixo São Francisco os barcos e balsas encalham. Esses meios de transporte levam pessoas e cargas que não conseguem cruzar um dos principais portos do Sertão, entre Sergipe e Alagoas.

A travessia entre Niterói, SE (aglomeração no canto inferior esquerdo, na foto) e Pão de Açúcar, AL. A linha verde é o percurso estabelecido com as reduções extremas de vazão em 2016. A linha vermelha é o percurso antigo, com o rio correndo com vazões anteriores. Mapa: InfoSãoFrancisco sobre imagem Google Earth.

Um caso emblemático é a cobertura sobre as vazões do rio Velho Chico com balanço semanal das alterações no fluxo das águas.

Em abril de 2020, fizemos um pedido dos horários das vazões das hidrelétricas do rio São Francisco no trecho abaixo da UHE-Xingó (construída entre Sergipe e Alagoas). Este pedido de acesso à informação pressionou a Chesf que, em sua primeira resposta, informou apenas que poderia conceder o acesso parcial; o que levou nossa equipe a recorrer junto à Controladoria Geral da União (CGU) requerendo acesso total aos dados hídricos.

Após a decisão judicial favorável à transparência, em junho de 2020 o InfoSãoFrancisco obteve com exclusividade os horários de vazão diária do maior rio do Nordeste do Brasil. Essa foi uma relevante conquista institucional e social no âmbito do jornalismo investigativo orientado por dados ambientais com base na LAI. No entanto, as regras de vazão ideal não são seguidas até hoje pela Chesf, de acordo com indicadores que monitoramos nos últimos três anos, desde que obtivemos o acesso legal aos dados.

Gráfico: ANA

Expectativas de impacto dos achados

O acesso à informação pública no Brasil é complexo e vai além do “pedido” e “resposta”, cabendo ainda os recursos em primeira e segunda instâncias. Vários dos 90 pedidos tiveram recursos, visto que a primeira resposta do Estado nem sempre é satisfatória ao jornalismo independente que investiga temas socioambientais dada sua transversalidade e anseio por soluções.

Entre os pedidos do InfoSãoFrancisco via LAI, obtivemos respostas de três tipos: positivas, negativas e parciais. Nestes 90 achados do InfoSãoFrancisco podemos perceber que os pedidos com base na LAI revelam ao fundo pistas de que o Baixo São Francisco não estava nos planos nem do governo Bolsonaro e nem está nos planos do governo Lula.

Desde 2019, o trabalho do InfoSãoFrancisco denunciou amplamente a opacidade dos dados públicos e denuncia como esse descaso favorece que qualquer crime ambiental passe sem rastros, sem impactos que possam ser medidos com transparências, afinal não existem dados precedentes, tampouco relatórios ou sínteses de evidências na forma de gráficos e mapas públicos.

Em 2023, somamos esforços com a plataforma Achados e Pedidos para circular e recircular esses achados até outros(as) jornalistas que possam realizar outras pautas de reportagens investigativas que ainda dependem de novos pedidos via LAI, mas também de financiamento e equipes dispostas a aprender mais sobre os problemas socioambientais dessa bacia hidrográfica.

Sobretudo, cabe ao jornalismo entender e explicar à sociedade interessada, nordestina de modo específico e brasileira de modo geral, qual o motivo pelo qual esse rio segue sendo cada ano mais afetado pelo mau uso de suas águas e má gestão do seu solo.

Demos aqui “um mergulho” no “fundo dos dados abertos” sobre rio São Francisco. Mas é preciso no jornalismo independer dar sempre novos “mergulhos”, contamos com a cooperação jornalística para seguir com a produção de notícias em rede com o InfoSãoFrancisco.

Encorajamos outras organizações do Brasil, especialmente da região Nordeste, no engajamento pela cidadania via LAI para buscas ainda mais profundas e apoio às causas por justiça ambiental nos territórios em todas as regiões.


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Sobre o autor

Antonio Heleno Caldas Laranjeira

Jornalista pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Doutorando em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Professor de Geocomunicações pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IPBAD).