por Gabriel Dantas Romano – Le Monde Diplomatique Brasil
Todos os setores da sociedade preferem se omitir e continuar como se uma catástrofe não estivesse se desenrolando na frente de nossos narizes.
Não é só a Alemanha que sente os efeitos extremos da mudança climática. O Brasil também presenciou eventos climáticos extremamente desproporcionais às condições normais nos últimos anos. Porém aqui, a gente que vive sob omissão e ignorância não parece notar a gravidade dos acontecimentos.
Em 2019, a corrente atmosférica levou para o sudeste uma fumaça negra que encobriu o céu e bloqueou a passagem de luz. Transformando o dia em noite, a fuligem tóxica vinda das queimadas da Amazônia pairou como um prenúncio mórbido do que está por vir. Em 2020, o Sudeste sofreu com enchentes e deslizamentos de terra causados por chuvas fortes além do normal. O desastre deixou dezenas de mortos e feridos, mais de 10 mil pessoas desabrigadas e mais de 70 mil desalojadas. No mesmo ano, a ocorrência do “ciclone bomba”, outro evento climático extremo, causou uma série de estragos no Sul do Brasil, deixando mais de 1 milhão de pessoas sem energia elétrica no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Em uma situação correta, tais desastres deveriam desencadear uma iniciativa intensiva contra o aquecimento global, vinda da mídia, da sociedade civil, do setor público e privado. Porém, todos os setores da sociedade preferem se omitir e continuar como se uma catástrofe não estivesse se desenrolando na frente de nossos narizes. A mídia brasileira, principalmente televisiva, ainda não empreendeu nenhum trabalho de divulgação científica em relação à conscientização sobre as mudanças climáticas, e o governo federal não foi capaz de desenvolver nenhuma campanha ou política pública efetiva. O resultado é que o povo vive sob condição de extrema ignorância, apático à realidade.
Cada vez mais presenciamos fenômenos extremos que mostram o desequilíbrio da natureza. Frente a essa força, a vida humana se torna completamente desprezível. As pessoas perdem suas casas, a infraestrutura das cidades é devastada, e os seres humanos vão perdendo aos poucos as condições necessárias para um meio de vida saudável. Vivemos em silêncio um processo de deterioração da natureza e essa catástrofe ainda não desencadeou nenhuma resposta à altura. O Brasil parece completamente apartado da realidade.
A tendência é de que a mudança climática interfira no funcionamento da vida na Terra. A longo e curto prazo, sanar esse problema deve ser uma das prioridades da política mundial. No Brasil, o governo federal e os políticos em geral são completamente omissos à questão. Não por falta de conhecimento, mas por opção. O governo Bolsonaro é um dos maiores responsáveis pela degradação ambiental do Brasil e pela impulsão das mudanças climáticas.
Um dos impactos visíveis da política contra o meio ambiente de Bolsonaro é no setor elétrico. O desmatamento da Amazônia alcançou níveis recordes, com isso a água dos reservatórios diminui, o que aumentou a conta de luz. Segundo Márcio Astrini, “o aquecimento global muda a dinâmica do clima em todo o mundo, e o desmatamento da Amazônia também age nesse sentido, mas mexe diretamente com os ciclos hidrológicos no país, que tanto depende deles para a geração de energia, a produção agrícola e abastecimento das cidades”.
Um outro problema veio à tona recentemente. Um estudo do Inpe, publicado na revista Nature, afirma que com as queimadas e desmatamento, a Floresta Amazônica já libera mais gás carbônico do que absorve.
O sequestro de carbono é um processo físico e biológico em que o CO2 é retirado da atmosfera e armazenado em oceanos e florestas. As árvores estocam naturalmente grande quantidade de carbono: através da fotossíntese, retiram o gás carbônico da atmosfera e o transformam em açúcar, que fica armazenado como amido e celulose. A Floresta Amazônica compõe 10% da biomassa de todo o planeta, representando uma das maiores reservas de carbono do mundo. Ou seja, com o aumento de sua devastação e das queimadas, o carbono retido na madeira das árvores é liberado para a atmosfera.
Em 2020, o The Guardian publicou um artigo pessimista estipulando que na próxima década a Amazônia poderia se transformar em fonte de emissão de carbono. Na verdade, ninguém imaginava que isso aconteceria apenas um ano depois por causa da progressão agressiva das queimadas. Esse processo é emblemático da degradação do maior patrimônio brasileiro, a Floresta Amazônica, sob o governo de irresponsáveis e criminosos.
O resultado disso, além da maior emissão de carbono para a atmosfera, é a diminuição de chuva. A Floresta Amazônica é responsável por um processo de produção de vapor de água que leva umidade e chuva para outras regiões do país. Com a interferência desse processo, o tempo tende a ficar mais seco e as chuvas mais escassas.
Preocupado com a situação ambiental do Brasil, o diretor do Instituto Climático da Alemanha, Johan Rockström, afirmou que: “Todos deveríamos estar preocupados com o ritmo do desmatamento na Amazônia. É a maior riqueza natural do planeta, além de regular as chuvas na América do Sul e o clima de todo o mundo. É o que chamamos de um bem global. Todos os cidadãos do planeta dependem da estabilidade da Amazônia, então todas as nações que têm um ecossistema tão importante quanto este deveriam preservá-lo. Mas é um desafio na questão econômica, porque há um grande valor agregado em uma floresta”.
A única saída para esse problema é, a longo prazo, uma redefinição completa dos valores que regem o funcionamento da nossa sociedade. A curto prazo, precisamos apostar em políticas de preservação ambientais urgentes. O rumo que a humanidade tomou apresenta consequências catastróficas que precisam ser revistas por todos aqueles que pretendem viver num lugar melhor. Esse sistema econômico e político configurado para garantir o lucro de uma minoria está, pouco a pouco, acabando com as condições de existência de vida na Terra, enquanto a maioria da população assiste ao desenrolar da história com extrema apatia e passividade. Uma resposta da sociedade civil precisa surgir e a mudança climática deve estar entre prioridade das discussões políticas agora.
Gabriel Dantas Romano é estudante de História da USP e ativista ambiental.
Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil.
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