por Heitor Scalambrini Costa

arte Thomas Vianna

A COP28, assim como suas antecessoras, tem como objetivo debater metas e ações para o enfrentamento das mudanças climáticas, reunindo representantes governamentais e não governamentais. Os delegados governamentais dos países signatários da Convenção são os únicos com poder de voto na Conferência.
 


De 30 de novembro a 12 de dezembro próximo ocorrerá a 28ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, conhecida como Conferência do Clima (COP) da ONU. A cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, é quem recepciona o evento. Seguindo a tradição diplomática, o país anfitrião indica o presidente da Conferência, que neste caso será o Diretor Executivo da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC- Abu Dhabi National Oil Company), Sultan Ahmed Al Jaber.

Reações contrárias a esta indicação ocorreram em várias partes do mundo pelo envolvimento direto de Al Jaber com a indústria petrolífera. A necessária imparcialidade é questionada, devido ao fato de representar os mais altos interesses da indústria do petróleo&gás, podendo, assim, comprometer os esforços e decisões a serem tomadas para a redução dos combustíveis fósseis para fins energéticos, que, segundo dados científicos, hoje constitui uma ameaça existencial real para nosso planeta.

A COP28, assim como suas antecessoras, tem como objetivo debater metas e ações para o enfrentamento das mudanças climáticas, reunindo representantes governamentais e não governamentais. Os delegados governamentais dos países signatários da Convenção são os únicos com poder de voto na Conferência. Como observadores participam jornalistas, integrantes de organizações não governamentais (ONGs), sociedade civil organizada, entre outros.

Nessas reuniões, as deliberações são tomadas por consenso entre as partes, o que muitas vezes torna as negociações um processo lento, árduo e inatingível. O sucesso ou fracasso da agenda climática, no fim das contas, é medido pela contenção do aumento da temperatura média global — e isso depende da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE’s). Fato esse que não está ocorrendo, pois é verificado ano a ano, o aumento da concentração do principal gás estufa, o CO2, na atmosfera terrestre.

Arte: Thomas Vianna

Os 197 países que assinaram o Acordo de Paris, em dezembro de 2015 durante a COP21, se comprometeram a reduzir suas emissões de GEE’s, apresentando voluntariamente suas metas de corte. Segundo este acordo, as regras vigentes devem ser revisadas a cada 5 anos. Todavia os cientistas do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) têm insistentemente declarado que os cortes prometidos nas emissões são insuficientes para evitar o chamado ponto de não-retorno (mudanças climáticas não poderão ser revertidas).

As grandes corporações, com interesses em petróleo &gás e carvão, aliados aos países produtores destes energéticos, inexplicavelmente, estarão mais uma vez presentes, infiltrados como delegados, e nesta reunião, assumindo a própria presidência da Conferência do Clima. É um contrassenso visto que a presença dos pró-fósseis, como sempre fizeram em outras reuniões do gênero, continuarão dificultando, embargando, atravancando acordos vitais para a redução do uso dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial, com o estabelecimento de cronogramas, acompanhamento e fiscalização das metas. Lembrando que, quem mais depende dos energéticos fósseis são os países do norte global, a China, cuja dependência em sua matriz energética é superior a 80%. Além de maiores consumidores, são também os maiores emissores de gases.

Nestes quase trinta anos de Conferências do Clima (COP), o que fica claro é que as políticas, acordos, negociações que chegaram a ser adotados pelos países, foram insuficientes para reverter as emissões de GEE’s. Nem ao menos foram encontradas soluções eficazes e estratégicas para o enfrentamento do aquecimento global. A governança mundial esperada para acompanhar, fiscalizar e fazer cumprir os acordos não funcionou. Como resultado, os desastres climáticos atingem atualmente todos os continentes, com maior frequência, e maior intensidade, provocando ondas de calor, enchentes destruidoras, extinção de espécies, degelodas geleiras nos pólos, e perda de vidas humanas.  

Se sabemos a causa principal do aquecimento global, por que não conseguir reduzir as emissões dos gases gerados pelos combustíveis fósseis, e mesmo banir tais fontes de energia da matriz energética mundial?

A força política e os interesses econômicos dos “negócios dos fósseis” a nível mundial, tem criado obstáculos para que os acordos de limitação das emissões sejam efetivamente cumpridos. Empresas da cadeia produtiva do setor dos combustíveis fósseis, nações produtoras de combustíveis fósseis, negacionistas e oportunistas de plantão, fazem parte do clube dos “exterminadores do futuro”. Acabam criando barreiras, obstáculos, impedindo os avanços na direção de reduzir a produção e o consumo mundial das fontes não renováveis.

Na era pós-pandemia, mudanças importantes ocorreram no humor das grandes empresas petroleiras mundiais. Nas últimas reuniões dos acionistas das maiores petroleiras, os investidores que defendem uma estratégia mais sustentável ficaram cada vez mais isolados. Com a crise desencadeada pela guerra Rússia-Ucrânia, os lucros das empresas de petróleo&gás aumentaram muito e, como consequência, arrefeceu-se o discurso de investir em planos sustentáveis de longo prazo para mitigar as mudanças climáticas, que era mais enfático quando o setor estava perdendo dinheiro.

Às vésperas da CO28, os ministros de Energia do G20 e a União Europeia, maiores economias do mundo, representando mais de 75% das emissões globais de carbono e do PIB mundial, reunidos (22/07) no evento denominado Energy Transitions Ministerial Meeting (ETMM), realizado na Índia; não chegaram a um acordo sobre um plano de ação para a redução do uso dos combustíveis fósseis. Além desta divergência, está a proposta defendida pela presidência da COP e pela Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), de triplicar as fontes de produção de energia renovável até 2030. Países como a Arábia Saudita, Rússia, China, África do Sul e Indonésia, principais produtores de combustível fóssil do bloco, se opuseram ao objetivo de atingir esta meta ainda nesta década.

No plano nacional fica mais claro a atual política em relação ao petróleo. Mesmo com a mudança de governo, e da política ambiental, o discurso da Petrobras é semelhante à de tantas outras petroleiras que insistem em ações no sentido de aumentar a exploração do petróleo e do gás, vilões do aquecimento global, juntamente com o carvão mineral. O último Plano Decenal de Energia (PDE 2022-2031) lançado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), prevê um aumento na produção diária de petróleo no Brasil até 2031, dos atuais 3,4 milhões de barris por dia para 5,2 milhões. Um aumento acentuado, indicando uma política energética que tem na exportação de petróleo um expediente para alavancar recursos para o país.

Nesta mesma direção foi a decisão recente do Conselho de Administração da petroleira brasileira, cujos conselheiros deram aval, e decidiram priorizar a oferta de gás natural, e repor as reservas de petróleo com exploração de novas fronteiras como na foz do Rio Amazonas. O próprio presidente Lula, na recente reunião (5/7) Técnico Científica da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reuniu Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname, Equador e Bolívia; evitou discutir a proposta do governo colombiano de interromper novos projetos de exploração de petróleo na Amazônia.

Diante dos fatos e posicionamentos públicos, fica evidente que mesmo países como o Brasil, que possuem um discurso contundente pela descarbonização e uso de fontes renováveis no enfrentamento das mudanças climáticas, se defrontam com a realidade de que a sua petroleira não quer fazer a transição energética. Todas querem manter os combustíveis fósseis o maior tempo possível, não importando as consequências.

A declaração do presidente da Petrobras na 8ª edição (5/7) do Seminário Internacional da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP,em inglês), com o tema “Rumo a uma transição energética sustentável e inclusiva”, mostrou o alinhamento existente entre as petroleiras mundiais, destacando em seu discurso “que o banimento na exploração de novos campos petrolíferos não seria realista, mas sim otimizar as atividades de transporte, comercialização e refino de petróleo, além do transporte e comercialização de derivados”.

A saída gradual e definitiva dos combustíveis fósseis da matriz energética global significa defender a continuidade da vida no Planeta. Equivocados e prestando um péssimo serviço à humanidade estão aqueles que propõem eliminar as “emissões” dos combustíveis fósseis e dos processos envolvidos, estimulando a continuidade crescente do seu uso. Ainda mais, com propostas ainda embrionárias e incertas do ponto de vista técnico-econômico-ambiental de técnicas de captação das emissões.

Assim, diante da possibilidade concreta de mais um retumbante fracasso da COP28, baseado no que aqui foi relatado, a proposta seria “pular” a COP28 e COP29; e realizar a COP30 em Belém do Pará, em 2030.

Na atual conjuntura, aceitar estes 2 anos sem COPs, é não ser conivente com o “faz de conta” que acabou se transformando estas Conferências, cuja chance de sucesso é inexistente no atual formato e governança. Onde já se conhece o resultado final, antes da “partida” começar, visto que são irreconciliáveis as divergências atuais sobre o papel das fontes de energia não renováveis na emergência climática vivida pelo planeta Terra.

Em nada mudaria de forma consistente e robusta as decisões que poderiam ser tomadas, para o enfrentamento das mudanças climáticas, caso estes 2 próximos eventos se realizassem, tal o antagonismo visceral reinante, em que as partes não cedem e, assim, não se avança no ponto crucial, que é reduzir o consumo de combustíveis fósseis e, consequentemente, as emissões de GEEs.

Não realizar as COPs 28 e 29 poderá ser um caminho, para aprofundar negociações na direção de estabelecer um novo formato e governança para a Conferência. Nesta nova situação prevaleceriam decisões baseadas na Ciência, e não a meros interesses econômicos, de corporações e países que se locupletam com a exploração destes energéticos, acumulando uma riqueza extraordinária, resultando impactos negativos e malefícios a todo planeta.

Todavia, desde já, deve constar na pauta das negociações para a COP30, discussões relativas a medidas restritivas do aumento da produção de petróleo e derivados, gás natural e carvão mineral. Até mesmo uma moratória em relação a abertura de novas explorações seria o esperado. Outro ponto prioritário seria adotar restrições à participação, como delegados na Conferência, dos representantes dos “negócios dos fosseis”.

Nesta nova realidade, associado a pressão exercida junto aos delegados pelas populações originárias, que sabem e podem nos ensinar a fazer as pazes com a natureza, pelos ambientalistas presentes, e por uma multidão vinda de toda parte do planeta, as condições estariam dadas para que efetivamente os governos e seus delegados votem pela vida, e não pela morte. É o que está em jogo. A mágica de um território, de mãos dadas à pressão popular, é quem dará novos rumos às futuras COPs.

Assim, vamos Esperançar que a COP 30, realizada no entorno da maior floresta tropical do mundo; seja o momento de inflexão, de mudança de paradigma da relação dos seres humanos com o meio ambiente, preservando a vida na nossa Casa Comum.

Heitor Scalambrini – É físico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo Departamento de Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), doutor pela Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de Fotoeletricidade/Comissariado de Energia Atômica da França, professor aposentado da UFPE e ativista antinuclear.

Thomas Vianna – É Ilustrador e engenheiro ambiental (não necessariamente nessa ordem), empenhado em utilizar a ilustração como ferramenta de informação e transformação socioambiental.


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Sobre o autor

Heitor Scalambrini

É físico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo Departamento de Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), doutor pela Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de Fotoeletricidade/Comissariado de Energia Atômica da França, professor aposentado da UFPE e ativista antinuclear.