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Baixo São Francisco sem mapas de área de alagamento por cheias

Ilustração: InfoSãoFrancisco

por Carlos Eduardo Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco

A bacia hidrográfica do Velho Chico se encontra em Situação de Cheias formal, com previsão de aumento de vazões no Baixo São Francisco sem que seja conhecida cartografia da área de alagamento e mapeamento das populações que se encontrariam em zona de risco.


Anteriormente à formalização da Situação de Cheias na Bacia Hidrográfica do rio São Francisco no último dia 11, via comunicado SOO-004/2022 da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, as perspectivas futuras da população possivelmente afetada em caso de enchentes no Baixo São Francisco já era um tema tido como de alta prioridade.

Havendo o registro de cheias históricas com vazões não só muito maiores do que os 4.000 m³/s (quatro mil metros cúbicos por segundo) anunciados para o dia 24 de janeiro próximo, mas também acima dos 8.000 m³/s de vazão máxima de restrição imposta à CHESF pelos órgãos licenciadores, o conhecimento de como seria o Baixo São Francisco sob grandes vazões é essencial e emergencial.

A várzea da Boacica, grande área da planície de inundação. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr./InfoSãoFrancisco

Emergencial pela razão simples de que a jusante da UHE Xingó há uma grande população ribeirinha, difusa que não conta, até o presente, com a existência de um Plano de Emergência regional em caso de cheias. Ou seja, o Estado segue mantendo não contemplando uma significativa população de política pública essencial: a salvaguarda de vidas humanas.

Em caso de enchente, onde, como?

O que os estados de Alagoas e Sergipe teriam a dizer a responder sobre “como seria uma possível área de alagamento e onde estão as pessoas dentro dessa área? Estariam em situação de risco ou não? Se sim, de qual magnitude?”

Na busca de obter informações oficiais e precisas da área alagada (sob diferentes e mesmo os mais pessimistas cenários), de modo a identificar onde estão as populações em zonas de riscos variáveis, o InfoSãoFrancisco encaminhou demanda de informações aos estados de Alagoas e Sergipe e também à Codevasf, órgão que atua no Baixo São Francisco desde a construção da UHE Sobradinho.

Beira de rio em Traipu, AL. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr./InfoSãoFrancisco

Para obter as informações, as demandas foram realizadas através dos serviços públicos online E-Sic Alagoas (para o estado de Alagoas) com o número ; SE-Ouvidoria (para o estado de Sergipe) e pelo Fala BR (antigo E-Sic), sistema da CGU – Controladoria Geral da União, para a Codevasf – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.

Para os estados e para o órgão federal, foram encaminhadas as solicitações:

Para Alagoas (manifestação E:23010.0000003324/2021) – mapa com a(s) poligonal(ais) da(s) área(s) de inundação em caso de cheias no trecho baixo do rio São Francisco.

Para Sergipe (manifestação no. 15155/21-3 ) – mapa com as poligonais previstas do espelho d’água de zona de alagamento na margem sergipana do Baixo São Francisco a jusante da UHE Xingó.

Para a Codevasf (manifestação no 59015.000541/2021-54) – mapa com a identificação da(s) poligonal(ais) da(s) área(s) inundável(eis) no trecho baixo do rio São Francisco.

Dentro dos prazos legais (vinte dias a partir do registro da solicitação), foram obtidas as respostas:

A Codevasf, no dia 10 passado, respondeu que “foi solicitado a área técnica responsável, para que seja feito o levantamento das informações solicitadas e se há o mapa pronto ou haverá necessidade de confecção. Devido ao desfalque de alguns agentes públicos a entrega da informação demandará mais uns trinta dias.”

O estado de Sergipe, através de ofício/resposta no. 15155/21-3 diz que não tem a informação solicitada e que a SERHMA – Superintendente Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente teria repassado à CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco a demanda do InfoSãoFrancisco, e que até o fechamento dessa matéria não fora respondida.

Finalmente, estado de Alagoas respondeu com ofício/resposta idêntico ao que foi encaminhado na solicitação sobre a existência de Plano de Emergência, igualmente associando sua resposta ao Relatório Mapeamento das Áreas Inundáveis nas Margens do Rio São Francisco no Trecho Reservatório de Xingó e a Foz, produzido pela CHESF: informações que não atendem à demanda.

Duas demandas, uma só resposta. Reprodução: SEMARH-Alagoas

As respostas recebidas apontam preocupante falta de preparo estratégico para eventos extremos nesta região: sua população, portanto, está em situação de extrema vulnerabilidade.

Rio controlado, riscos criados pela mão do homem

A questão de mapeamento adequado de populações em zona de risco no Baixo São Francisco é uma história já velha de ao menos 42 anos, a partir do momento em que o então grande rio foi regularizado com a construção da barragem de Sobradinho.

Poderíamos considerar que, naquele momento, a nascente de fato do Velho Chico que sobrou a jusante, passa a ser a UHE Sobradinho, sob controle do setor elétrico com a operação dos barramentos pela CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco..

Desde então as populações do Baixo São Francisco passaram a ter suas vidas submetidas a interferência e dependência diretas do setor elétrico que, dominando as águas do rio, eliminou seus ciclos naturais e passou a controlar cada gota que chega ao oceano.

O controle das águas inclui, naturalmente, a gestão de eventuais cheias, cujos procedimentos regulamentados pelo setor elétrico, no caso o ONS – Operador Nacional do Sistema (com suas Regras de Controle de Cheias Bacia do Rio São Francisco ) a partir de atribuição concedida pela pela ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico em sua Resolução 2081/2017.

No entanto, todas as operações de barramentos, seja em situações normais ou em eventos extraordinários, são realizadas sem que sejam conhecidas, com grande precisão, as áreas de inundação em todo o Baixo São Francisco para uma variada e possível gama de vazões.

Não há conhecimento de disponibilidade pública do desenho de áreas que seriam alagadas pelas águas do Velho Chico em situações que seriam consideras como cheias, de fato, a partir de 4.000 m³/s, passando pelos 8.000 m³/s e indo além, tendo a referência de vazões bem maiores já ocorridas.

Sem a definição das áreas de alagamento não há como definir a população que seria, de diversas formas, afetada em caso do evento: é um “vazio cartográfico” que implica em alto risco já que as pessoas em provável situação de vulnerabilidade não seriam alvo de objetivas políticas públicas de prevenção e resposta a eventos críticos,

Mapear contra o vazio cartográfico: combatendo a injustiça socioambiental

Para tentar preencher esse vazio cartográfico que lança milhares de pessoas em situação de injustiça socioambiental e não favorece o planejamento e aplicação de políticas públicas, a Sociedade Canoa de Tolda e o InfoSãoFrancisco criaram o MapSãoFrancisco em cooperação com o HOT – Humanitarian OpenStreetMap Team e com a UFAL – Universidade Federal de Alagoas, através do curso de Engenharia de Pesca em Penedo.

O MapSãoFrancisco iniciou suas atividades com o projeto de mapeamento colaborativo das lagoas e várzeas marginais do Baixo São Francisco, que vem sendo realizado dentro do cronograma.

A área em curso de mapeamento das lagoas e várzeas marginais no Baixo São Francisco. Reprodução: MapSãoFrancisco.

O mapeamento das lagoas e várzeas é a primeira fase da iniciativa, uma vez que tais corpos hídricos são o volume necessário (que deve estar disponível, em espera) para que em um evento de cheias o transbordamento da calha ocorra de forma natural.

Na etapa seguinte do projeto MapSãoFrancisco prosseguirá com o mapeamento das populações que se encontram nas áreas de risco em caso de alagamento para que estas contem com dados básicos e inequívocos que possibilitem busca por justiça socioambiental e de políticas públicas adequadas.


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Fontes: SEMARH-Alagoas; SEDURBS-Sergipe; Codevasf; MapSãoFrancisco


Sobre o autor

Carlos Eduardo Ribeiro Junior

Co-criador do InfoSãoFrancisco e coordenador do projeto.