por Carlos Eduardo Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco
Em razão das forte chuvas no Alto São Francisco que provocando aumento considerável das vazões a montante da UHE Três Marias e ao longo do Médio São Francisco, o ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico formalizou quadro de cheias e início de procedimentos preparatórios.
Ao final da manhã de hoje (11) a CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, encaminhou comunicado com a formalização de Situação de Cheia na bacia do São Francisco conforme o estabelecido pelas Regras para Operação de Controle de Cheias – Bacia do São Francisco (ciclo 2021/2022) tendo como referência as afluências no reservatório de Três Marias, que desde o dia 07 de janeiro estão acima de 4.000 m³/s (quatro mil metros cúbicos por segundo).
De modo a garantir os volumes de espera (veja ilustração abaixo) nos reservatórios de Sobradinho e Itaparica (que até o fechamento da matéria estavam em 59,82% e 60% respectivamente), ou seja, garantir mais espaço volumétrico para a grande massa de água que desde do Alto São Francisco e passa por Sobradinho a CHESF comunicou o início de aumento das defluências das UHEs Sobradinho e Xingó.
O aumento das vazões em Sobradinho e Xingó terão início a partir de amanhã (12) que serão escalonadas em elevações de 500 m³/s a cada dois dias conforme o gráfico abaixo:
A integra da Carta Circular SOO-004/2022 pode ser lida abaixo incluindo também o anexo da mesma (o documento do ONS)
O anexo da Carta Circular da CHESF, carta CTA-ONS DGL 0053/2022
Sem planos de emergência
Com a formalização de Situação de Cheia na bacia do Velho Chico, o seu trecho baixo se encontra, como apresentado há poucos dias pelo InfoSãoFrancisco, desamparado, sem qualquer plano de emergência conhecido, seja em Sergipe, seja em Alagoas.
Ainda que vazões da ordem de 4.000 m³/s não sejam extremas (tendo como referência vazões da ordem de 3.000 m³/s quando a UHE Xingó opera com as seis máquinas – cada qual exigindo vazão de aproximadamente 500 m³/s), alguns efeitos negativos são esperados, todos eles relacionados não ao aumento das águas em si, mas à falta de preparo das gestões para situações que nunca foram devidamente observadas como prioritárias.
Tal situação permite aventar que, muito provavelmente, a sociedade pode não pode criar perspectivas além de respostas pontuais, desencontradas, que estariam longe de prover o necessário amparo às populações ribeirinhas afetadas.
Saúde Pública
Um aspecto que parece não estar devidamente inserido na agenda preparatória para eventos extraordinário, no caso de cheias, é a essencial questão da saúde coletiva relacionada à qualidade da água, já comprometida, como apontou o relatório da UFAL – Universidade Federal de Alagoas recentemente.
A próxima elevação das descargas das UHEs Sobradinho, Itaparica e Xingó terá efeito imediato sobre a qualidade das águas no Baixo São Francisco, afetando diretamente a população difusa, sem sistemas de captação e tratamento adequados para consumo humano.
Trata-se de um problema de saúde coletiva que poderia ser evitada há tempo considerável, se municípios, estados e governo federal cumprissem à risca seus deveres de proteção ao patrimônio público, a começar pelo natural, e dos interesses coletivos difusos. Temos, dentro de poucos dias, a possibilidade de um cenário que, por si, não pode ser vinculado maliciosamente ao fato de o Velho Chico estar com mais água, mas sim, de forma objetiva, pelas intervenções humanas na bacia do rio.
Com a manutenção de vazões defluentes extremamente baixas desde 2013, em todo o Baixo São Francisco foi consolidada uma intensa ocupação de grandes zonas do leito do rio, expostas e sem proteção das gestões públicas. As ocupações também se aplicam a outros pontos da planície de inundação que, formalmente, ainda faz parte do ente rio.
Dever ser considerado que tais ocupações foram favorecidas pela não interferência dos órgãos gestores do território (nas esferas municipais, estaduais e federal) que assim contribuíram não só para a degradação ambiental mas também para com criação de situações risco de diversas magnitudes.
Além de ocupações humanas, também ocorreu a intensa ocupação de zonas próximas às bordas do espelho d’água por animais de criação diversos (gados bovino, ovino, caprino, muares e equinos)
Ocupações e usos indevidos do leito do rio impactam inicialmente suas zonas de influência (no local e nos entornos, diretamente) mas também, com a situação das vazões maiores, regiões a jusante, de rio abaixo.
Com o aumento da vazão, as águas naturalmentle ocuparão seu espaço no leito hoje secado, exposto, e encontrarão estruturas realizadas pela mão humana e ainda os impactos pelo uso de exploração agropastoril.
O alagamento destas zonas, que não são poucas e se estendem por todo o Baixo São Francisco, significará a contaminação da água do rio criando situações de inadequação da qualidade da água para o consumo humano. Tal quadro atingirá particularmente particularmente a população ribeirinha difusa, como já apresentamos, que captará com seus pequenos sistemas (pequenas bombas elétricas) água imprópria para beber.
Podemos, portanto, considerar que desponta no horizonte próximo a formação de um quadro de vulnerabilidade da saúde coletiva que, não sendo objeto de uma ação de um necessário plano de emergência, poderá ter consequências imprevisíveis.
Caberia aos estados a apresentação de soluções emergenciais de aprovisionamento de água potável para as populações que serão afetadas (e não é difícil identificar esse grupo humano, uma vez que basicamente apenas as sedes de municípios e povoados maiores contam com sistemas de captação e tratamento de água) para que, em articulação com os municípios ribeirinhos comecem, de imediato, a distribuição preventiva.
Água necessária mas ainda insuficiente
O incremento do volume de água no Baixo São Francisco é, sem dúvida alguma, benéfico, bem vindo e não pode ser qualificado como um evento negativo. Maior quantidade de água correndo a jusante de Xingó possibilitará alguma “limpeza” ambiental temporária de inúmeros organismos que se instalaram de forma agressiva na região.
Tais organismos são principalmente representados pelas elódeas (conhecidas como rabo de raposa na região do baixo São Francisco), uma das espécies do grupo de vegetação exótica aquática invasora, que ocupa praticamente todo o leito do rio de uma margem à outra, e também as algas verdes filamentosas que se fixam com grande ocorrência às ramas das formando um tecido espesso que também ocupa grande parte do fundo do Velho Chico.
Como a CHESF até o momento não mencionou o tempo de permanência da vazão hoje anunciada de 4.000 m³/s, ainda é cedo para que sejam vislumbrados os esperados e necessários benefícios. Deve ser observado que situações anteriores de enchentes posteriores à regularização, pela sua curta duração, não permitiram efetivamente alguma melhoria dos ecossistemas aquáticos e ripários a longo prazo e temos, em 2022, o passivo acumulado ao longo dos quarenta e dois anos da regularização com a construção de Sobradinho (1979/80), demais intervenções (outros barramentos, a transposição, as diversas reduções de vazão em 2001, 2007 e a mais recente e duradoura lei seca de 2013 hoje normalizada através de regras que permitem vazões abaixo de 700 m³/s).
A partir do comunicado da CHESF não há base científica suficiente para que se estime uma “recuperação” do rio São Francisco para algo próximo aos padrões dos ecossistemas aquáticos saudáveis anteriores a 1980.
A vazão planejada de 4.000 m³/s é insuficiente para o alagamento das lagoas marginais e grandes várzeas (que também se encontram na classe de zonas ocupadas e usadas de forma indevida) que, mais uma vez, não cumprirão com seus essenciais papéis de suporte à manutenção da biodiversidade no trecho baixo do rio São Francisco.
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Fontes: CHESF – Companhia Hidroelétrica do São Francisco; ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico; SNIRH – Sistema Nacional de Informações Sobre Recursos Hídricos; ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico