via ISA – Instituto Socioambiental
Justiça Federal de Altamira suspende desvio abusivo do curso do rio Xingu pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte e determina a que vazão de água possibilite a sustentabilidade da Volta Grande do Xingu.
Na quarta-feira (16), a Justiça Federal de Altamira determinou a suspensão do desvio de 80% das águas do rio Xingu para a barragem da usina hidrelétrica de Belo Monte, da Norte Energia, prática conhecida como Hidrograma de Consenso. A decisão atende a um pedido do Ministério Público Federal. O desvio estava secando o curso do rio Xingu e gerando impactos irreparáveis para a população que vive ali e para a biodiversidade do rio, com a morte de milhares de peixes.
Segundo a decisão, a partir de agora, deve ser aplicado um Hidrograma Provisório, conforme vazões estabelecidas em parecer técnico do Ibama, durante o ano de 2021, liberando água suficiente para a manutenção da vida na região da Volta Grande do Xingu até que a empresa apresente estudos técnicos suficientes sobre os impactos do barramento das águas.
O Hidrograma do consenso
Com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em 2015, a quantidade, a velocidade e o nível da água na região não derivam mais do fluxo natural do rio, mas sim da concessionária Norte Energia.
A empresa controla o volume de água que passa pelas comportas da usina, descendo pela Volta Grande do Xingu, mas nunca escutou as demandas dos povos indígenas e populações tradicionais que vivem ali e são diretamente impactados pelo barramento do rio.
A juíza Maria Carolina Valente do Carmo fundamentou sua decisão em pareceres do Ibama, que identificaram que o desvio da vazão previsto pelo Hidrograma de Consenso coloca em risco a sustentabilidade socioambiental da região, comprometendo as condições ambientais e o modo de vida das populações da Volta Grande do Xingu:
“Relativamente ao Hidrograma B, o citado parecer considerou que “os dados presentes no processo de licenciamento são insuficientes para garantir que não haverá piora drástica nas condições ambientais e de modo de vida na Volta Grande do Xingu no caso de sua implantação”. Logo, percebe-se que a manutenção do Hidrograma B até 31 de janeiro de 2022 já representa um risco de dano grave e irreversível para o meio ambiente, sendo acertada, à primeira vista, a decisão que estabeleceu um Hidrograma Provisório, até que as informações solicitadas à Norte Energia S/A sejam apresentadas e avaliadas pelo órgão ambiental.
As considerações feitas pela União e Norte Energia S/A acerca do risco para a segurança energética nacional não afastam a conclusão acima exposta, uma vez que a concessionária não pode se valer de argumentos estranhos ao licenciamento ambiental para se eximir do seu dever de prestar as informações necessárias à análise do órgão ambiental, bem como de mitigar e compensar os impactos ambientais negativos, inclusive mediante o ajuste do hidrograma”.
Leia/descarregue abaixo a decisão judicial
Durante os meses de cheia, o Hidrograma de Consenso prevê o desvio de até 80% da vazão natural do rio Xingu, comprometendo severamente a alimentação e reprodução da fauna aquática assim como a manutenção dos ecossistemas do rio.
A juíza alertou que argumentos de segurança energética não podem ser usados para impor condições sociais e ambientais insustentáveis à Volta Grande do Xingu.
“Ademais, se os riscos à segurança energética nacional tivessem o condão de afastar eventuais insuficiências nas obrigações assumidas pela concessionária, o argumento poderia ser utilizado no âmbito do licenciamento ambiental para que esta se eximisse das condicionantes previstas na LO nº 1317/2015, referentes ao acompanhamento especial do TVR submetido ao Hidrograma de Consenso, o que, por óbvio, não aconteceu, justamente em razão da inviabilidade de uma discussão travada nesses termos”.
Em substituição ao Hidrograma de Consenso, a decisão impôs a aplicação do Hidrograma Provisório – cujas vazões são levemente superiores – durante o segundo semestre de 2021, conforme determinado pela equipe técnica do Ibama.
Para o ano 2022, o Ibama deverá redefinir as vazões do Hidrograma com base em Estudos Complementares que devem ser concluídos pela Norte Energia e na consulta livre, prévia e informada aos povos da Volta Grande do Xingu. Também vai basear sua decisão emavaliações técnicas do órgão ambiental até o dia 31/12/2021, conforme determinou a decisão judicial, de modo a garantir a reprodução dos ecossistemas e a manutenção dos modos de vida dos povos indígenas e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu.
A decisão ainda estabelece que a avaliação das novas vazões para o Hidrograma deve observar os seguintes pressupostos:
“a) o dever de manutenção dos ecossistemas, dos modos de vida e da navegação na Volta Grande do Xingu;
b) o respeito ao princípio da precaução; c) a tecnicidade das decisões; d) o respeito ao princípio da informação e da transparência; e e) a consulta Prévia, Livre e Informada das populações tradicionais moradoras da Volta Grande do Xingu”.
Pela primeira vez, desde o início do licenciamento ambiental da Usina, os povos da Volta Grande do Xingu têm garantido seu direito de participar efetivamente nas decisões que afetam o rio, a floresta do Xingu e seus direitos coletivos.
nota da redação
A decisão da Justiça Federal em Altamira, PA, abre um precedente único que é diretamente relacionado com a situação imposta ao rio São Francisco, em particular no seu trecho baixo, a jusante da UHE Xingó.
Há um vislumbre de possibilidade de reversão do quadro desastroso que é verificado na região: a destruição do patrimônio natural (ecossistemas aquáticos fluviais, estuarinos e costeiros; ecossistemas ripários e relacionados à zona de transição com os biomas caatinga, mata atlântica e zona costeira; degradação da qualidade da água), em desrespeito claro ao direito ao meio ambiente saudável garantido pela Constituição Federal aos seres humanos, além de comprometer o igualmente garantido direito de acesso à água.
Imagem em destaque: Região mais impactada pelo funcionamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Volta Grande do Xingu, Pará | Zé Gabriel – Greenpeace.
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Fontes
ISA – Instituto Socioambiental