por InfoSãoFrancisco
Quadro da histórica embarcação tradicional do Baixo São Francisco é de extrema vulnerabilidade enquanto são aguardadas medidas emergenciais para sua remoção e guarda em local seguro.
Ainda em terra na Reserva Mato da Onça, no alto sertão alagoano do Baixo São Francisco, com o casco aberto e aguardando recursos para inadiáveis ações de conservação, a canoa de tolda Luzitânia está alagada desde a tarde do dia 18, quando as vazões da UHE Xingó atingiram a marca de 2.500 m³/s (dois mil e quinhentos metros cúbicos por segundo).
A situação já era prevista pela Sociedade Canoa de Tolda, proprietária da embarcação restaurada e tombada pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Segundo o responsável pela gestão da embarcação, Carlos Eduardo Ribeiro Jr, tão logo tendo ciência da programação das vazões divulgadas pela CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, a entidade encaminhou ao IPHAN demanda para equipamentos necessários para manter parcialmente a embarcação em estado de flutuabilidade.
“Infelizmente os itens pedidos, basicamente tambores de 250 l (duzentos e cinquenta litros) e cabos para a atracação, não chegaram até ontem, não sendo mais viável a sua instalação na Luzitânia, o que nos levou a suspender a demanda. Assim não estaríamos incorrendo em uma situação de aquisições com verbas públicas de material que não seria utilizado, o que poderia comprometer o currículo de probidade da Canoa de Tolda”, prossegue Carlos Eduardo.
A Luzitânia na tarde do dia 20
Todas as fotos da galeria: Carlos E. Ribeiro Jr.
O atual alagamento da Luzitânia é a quinta situação enfrentada pela embarcação e a segunda desde sua volta às águas do Velho Chico que, sem uma resposta emergencial de socorro, promoverá o comprometimento de um bem cujo valor é incalculável.
A canoa de tolda é um exemplo talvez único de convergência de tecnologias navais planetária da era dos descobrimentos que, em miscigenação com o “DNA” nativo, evoluiu e resultou na mais eficiente embarcação para a navegação a vela no rio São Francisco. A perda de tal embarcação seria uma lacuna sem igual para o patrimônio naval mundial.
Para a Sociedade Canoa de Tolda está claro que mais esse quase naufrágio da Luzitânia não pode ser atribuido apenas a um padrão de vazões mais elevadas uma vez que a vazão de 3.000 em³/s é equivalente a algo semelhante a quando as seis máquinas da UHE Xingó operam. Esse valor é cerca de menos de mil metros cúbicos acima da vazão regularizada de 2.060 m³/s com a construção de Sobradinho.
A organização também entende que o conflito do controle absoluto das águas do rio persiste e continuará enquanto esse for o modelo de uso dos rios com barramentos.
Apesar da imagem da velha canoa completamente inundada e acachapada dentro da água que agora voltou a correr bem no beiço do rio da Reserva Mato da Onça, não há dúvidas de que o panorama do Velho Chico com um pouco mais de água é impossível de ser ignorado. A paisagem dos últimos dias tem proporcionado indiscutível bem estar e está associada ao direito ao meio ambiente saudável garantido pela constituição brasileira.
Retomando o tema da relação das vazões do barramento e a situação da Luzitânia, Carlos Eduardo insiste que “o problema não é a vazão um pouco maior que, pelo contrário, está a nos proporcionar uma magnífica paisagem natural do Baixo que fazia uma falta enorme, paisagem que foi suprimida desde o início de 2013 com o garrote sufocante das reduções das vazões. É um direito inquestionável, mas não devidamente reconhecido, que todos nós temos para desfrutar a qualquer momento.”
Elemento da paisagem cultural do Baixo São Francisco, a Luzitânia está no aguardo, para as próximas horas, de respostas e/ou medidas que possam, de forma definitiva, garantir a conservação da embarcação, de modo a permitir que as próximas gerações possam conhecer um importante momento da história do Velho Chico e sua gente.
O âmago da questão, finaliza Carlos Eduardo, “é o valor que a sociedade brasileira confere aos seus bens culturais, pois a situação da Luzitânia, comunicada, previsível, foi aceita por uma sociedade que permitiu que as chamas lambessem o Museu Nacional, assim como o Museu de Arte Moderna em 1978 e a Cinemateca Brasileira em julho passado. Qual o valor real dessa embarcação centenária esquecida nas margens desse rio, no alto da caatinga do Baixo São Francisco? Parece que muito pouco.”
O que diz o Decreto Lei no. 25/1937 sobre a proteção de bens tombados
Considerando o previsto no Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, em seu Artigo 19:
(…) O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a inciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
(…)
No fechamento da matéria a vazão da UHE Xingó se encontrava em 3.660,75 m³/s.
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Fontes: SEMARH-Alagoas; SEDURBS-Sergipe; Codevasf; MapSãoFrancisco