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Vazões no Baixo São Francisco minguarão, sendo reduzidas a 1.050 m³/s

Em seguida à alardeada fake cheia de cerca de trinta dias de duração – para exportação de energia elétrica para outras regiões – o Baixo São Francisco amargará novo período de pouquíssima água correndo no [ainda] rio São Francisco, com perspectiva de problemas de acesso à água de qualidade pelas populações difusas.

A partir de amanhã (30), conforme comunicado da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco a Carta Circular SOO-053/2020, de 29/12/2020, a UHE Sobradinho passa a ter, durante um período de cinco dias, sua vazão defluente reduzida de 2.600 m³/s (dois mil e seiscentos metros cúbicos por segundo) para 1.100 m³/s.

Veja abaixo a Carta Circular SOO-053/2020
Reprodução: CHESF

Como consequência, as vazões da UHE Xingó também serão alteradas, para meros 1.050 m³/s, exatos 250 m³/s abaixo dos 1.300 m³/s estabelecido pelo PRHSF – Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, documento inócuo que, com um valor de mais de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais) financiado com a verba da cobrança pelo uso da água do Velho Chico, é incapaz de garantir uma quantidade de água mínima com a qual o rio deve chegar, a pulso, ao oceano Atlântico. Reduzido a algo virtual, o PRHSF é ignorado nas documentações normativas para as operações dos barramentos, sendo suplantado pela Resolução ANA 2081/2017.

TRATAMENTO DIFERENCIADO

O burocrático e aparente cuidado da CHESF em comunicar a redução das vazões da UHE Sobradinho configura uma diferente abordagem quanto às operações e consequentes comunicações referentes às mesmas quando se trata do Baixo São Francisco e a predatória operação da UHE Xingó.

Basta verificarmos o hidrograma abaixo onde entre zero hora do dia 25 de dezembro e as vinte horas do dia 27, a vazão despencou (sem qualquer aviso, sem qualquer progressão aceitável) de 2.810,61 m³/s para a mínima marca de 992,05 m³/s. São exatos 1.818,56 m³/s em pouco mais de quarenta e oito horas produzindo inúmeros problemas como já noticiado no .InfoSãoFrancisco.

Reprodução. ANA/SNIRH

AS NÃO EXPLICADAS VAZÕES MÉDIAS DA UHE XINGÓ

Outra questão crucial nas operações da UHE Xingó e os impactos observados no Baixo São Francisco está relacionada aos valores de vazões máximas e mínimas para a manutenção das médias anunciadas. A empresa comunica o estabelecimento das vazões médias, sem que a sociedade – e em particular as populações do Baixo São Francisco afetadas diretamente pelas variações das defluências do barramento – tenha conhecimento da amplitude que será adotada, durante quanto tempo, em quais períodos.

No caso que temos no momento, a CHESF se limita ao manifesto em sua Carta Circular SOO-053/2020 onde:

“Com relação à defluência média diária da UHE Xingó, esta será praticada de forma a atender a vazão média mensal de 1.050 m3/s, conforme estabelece para o mês de janeiro a Resolução ANA nº 2.081/2017, podendo ser elevada, a depender da necessidade de atendimento ao Sistema Interligado Nacional – SIN, conforme procedimento de otimização energética envolvendo as diversas regiões do país, coordenado pelo ONS. Citada elevação ocorrerá de forma gradual e será comunicada através de mensagem SMS aos números cadastrados no nosso sistema de informação.” 

De forma simples: o Baixo São Francisco permanece inteiramente submisso às mazelas das operações impostas pelo setor elétrico através das determinações do ONS – Operador Nacional do Sistema. O hidrograma das vazões praticadas no Baixo São Francisco apresentado em nossa matéria UHE Xingó tem redução de vazões sem comunicação e atinge a marca de 992 m³/s , que mais uma vez reproduzimos, é a prova contundente da insustentabilidade do padrão operacional da UHE Xingó que deve, sim, ser objeto de adequação aos componentes ambientais essenciais para a manutenção da vida de todos os seres, inclusive os humanos.

O hidrograma dos últimos trinta dias mostra a inviabilidade ambiental das operações da UHE Xingó. Não há qualquer rio saudável com tal padrão de fluxo de água. Fonte: ANA/SNIRH.

É INADIÁVEL A DISCUSSÃO POR MUDANÇAS SUBSTANCIAIS NAS OPERAÇÕES DA UHE XINGÓ

Com suas marés ao longo do dia, assim opera, há vinte e seis anos, a UHE Xingó (1993/94), promovendo a sobreposição de seu passivo socioambiental ao conjunto já bem consolidado de saldo negativo das operações da UHE Sobradinho e sucessivos empreendimentos desde 1979/80 (veja Sobradinho +40 – A desintegração do rio da integração).

Nota: com as operações da UHE Xingó, onde cada uma das seis máquinas turbina cerca de 500 m³/s, passamos a ter as grandes e danosas variações de defluência no Baixo São Francisco.

Além dos inúmeros problemas de convívio de populações espalhadas pelas margens com um rio que não se comporta como um rio, fica evidente a inexistência de um rigoroso limite para as faixas de operação que são intoleráveis para o meio ambiente, que não para de se degradar há anos (sendo esse mais um efeito de usos e ocupações predatórios de toda a bacia do Velho Chico): são estipuladas vazões mínimas de operação para a UHE Xingó (que ainda opera com a Autorização Especial IBAMA 012/2017 permitindo a vazão mínima de 550 m³/s) sem que sejam conhecidas restrições precisas para as máximas e mínimas das vazões médias (o grifo é nosso).

Observando uma amostra do hidrograma dos últimos trinta dias, com as variações das vazões, é inquestionável que o rio, seus ecossistemas, populações ribeirinhas permanecem, reconhecidamente, elementos ausentes das condicionantes, regras e restrições para a operação do barramento.

A questão das variações de vazão provocadas pelas operações da UHE Xingó é ausente na mídia que prefere dar vivas à uma “fake cheia”, não explicando a grande diferença entre a água turbinada, inadequada para o serviço ambiental, posto que o objetivo de sua liberação é apenas a produção de energia, e água liberada, em fluxo contínuo, para o serviço ambiental, melhoria da qualidade do líquido, manutenção do acesso ao mesmo pelas populações difusas, recuperação da paisagem, dentre inúmeros pontos.

Nota: é evidente que a vazão na faixa atual, mesmo turbinada, é algo menos ruim do que defluências menores. Porém, repetindo de forma insistente, deve ficar claro que temos quarenta anos de regularização a partir da UHE Sobradinho, a construção das demais UHEs dentre as quais Xingó (1993/94), com a soma e sobreposição de todos os impactos. Quando Xingó começou a operar o rio já estava profundamente alterado e as vazões anteriores a 2013 não espelham qualquer normalidade.

Se há algum vislumbre de discussão sobre recuperação do São Francisco – sendo como o rio deve chegar ao mar é o ponto básico – há que se modificar, sem dúvida, as operações da derradeira e talvez a mais danosa, para o Baixo São Francisco, das grandes barragens. Sem uma radical e necessária modificação de tal sistema predatório (que não é exclusivo da bacia do São Francisco), que também significa uma igualmente radical mudança nos chamados “padrões de consumo de recursos naturais” não há futuro não só para  Velho Chico mas também para os demais rios brasileiros que padecem sob o controle do setor elétrico.

É hora de uma revisão profunda e definitiva na forma operativa e insustentável de Xingó, o que evidentemente significará que haverá mudanças na obsessiva e predatória premissa (dos setores econômico e elétrico) de “atendimento da demanda”. A oferta acabou e é tempo de mudanças, também, na forma de consumo de água e energia, algo completamente viável e necessário. Se desejamos algo que ainda tenha semelhança com um rio, em um futuro não tão distante.

AUTORIZAÇÃO DE VAZÃO DE 550 M³/S AINDA EM VIGOR

Sob o silêncio de todos os entes da gestão, municípios, estados e da sociedade do Baixo São Francisco, Xingó segue operando com a Autorização Especial 012/2017 que permite a vazão mínima de 550 m³/s..

A manutenção ad eternum da autorização, quando a ANA define e estação como normal, é um precedente extremamente danoso para com o já precário processo de licenciamento de operações de barramentos, colocando em risco, pela temerária situação, não apenas o São Francisco, mas todos os demais rios brasileiros que tenham barramentos em suas bacias.

ATÉ QUE CAIA

Em 13 de dezembro de 2019 foi publicada a matéria 550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco. Desde aquela data não são conhecidas, até o momento, disposições e/ou ações que levem ao cancelamento da Autorização Especial IBAMA 012/2017 e necessárias responsabilizações.

Temos, então, que a UHE Xingó permanece operando com a acima citada Autorização Especial 012/2017, sem qualquer reação, inclusive por parte dos entes do sistema de gestão que, naturalmente, não são desconhecedores da situação.

Os efeitos danosos se acumulam ao passivo já considerável de exatos quarenta anos de regularização desde a entrada em operação de Sobradinho (1979/80).

Para que esse caso não caia no esquecimento, na normalidade cotidiana, será mantida a republicação desta denúncia agregada à cada nova notícia, ininterruptamente, até que seja conhecida reação que conduza ao cancelamento/revogação desta licença que equivale a mais um desastroso passo rumo ao fim do rio São Francisco.

O espaço neste sítio está disponível para esclarecimentos por parte de órgãos e entidades citados.

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Fontes

CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico


Imagem em destaque -Montagem sobre imagens de divulgação. Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco