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UHE Xingó tem redução de vazões sem comunicação e atinge a marca de 992 m³/s

Repetindo situação ocorrida há pouco menos de um mês, a CHESF volta a reduzir de forma considerável e em algumas horas as vazões da UHE Xingó para valores abaixo do estabelecido pelo Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

O setor elétrico mantém [muito tranquilo] o domínio das águas do São Francisco desenhado pelo ONS – Operador Nacional do Sistema , onde seu padrão de operações de barramentos, sem restrições, diretrizes ou regras socioambientais concretas, prossegue detonando o que ainda resta do ente chamado rio São Francisco.

Foi registrado novo evento de grande variação de vazão , o que já apresentamos como as chamadas operações moduladas (o grifo é nosso) da UHE Xingó, que permanecem sem qualquer controle de órgãos licenciadores e reguladores.

Neste final de semana, precisamente no sábado, 27 de dezembro, voltamos a ter a mesma prática de reduções de vazões da UHE Xingó, seguindo o padrão de variação violenta como no final de novembro.
Ignorando o valor mínimo de 1.300 m³/s (hum mil e trezentos metros cúbicos por segundo) estabelecido pelo PRHSF – Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a defluência para o Baixo São Francisco chegou ao patamar de insustentáveis 992,05 m³/s.

A nova investida do setor elétrico sobre as águas do Velho Chico apresenta a evidência de que o PRHSF, com custo de mais de R$6.000.000,00 (seis milhões de reais) é um documento morto incapaz de fazer respeitar parâmetros ambientais, dentre eles a vazão mínima de restrição, os famosos 1.300 m³/s. ´

O setor elétrico através das diretrizes impositivas do ONS – Operador Nacional do Sistema, estabelece quando e como as populações e o rio e seus seres terão água (ou o agora recursos hídrico monetizado no mercado de futuros de Wall Street, Nova Iorque, ).

Com a brutal redução de vazão em algumas horas, sem qualquer aviso temos um conjunto de problemas deflagrados em todo o Baixo São Francisco. O mais crítico é o acesso à água por parte de populações difusas, sem sistemas adequados de captação e tratamento de água que, sem poder acompanhar ajustes (que implicam em mudança de tubulações, cabeamentos elétricos, busca de local com água de melhor qualidade, sem algas, vegetação e lama) para “seguir” o vai e vem da água, e muitas vezes sem caixas d’água de grande capacidade ou nenhuma forma de acumular o líquido, ficam em situação de vulnerabilidade durante a “vazada” do rio.

Um outro ponto a ser considerado é o efeito das variações de grande espectro nas navegações, uma vez que há consideráveis modificações na configuração da calha, comprometendo a circulação de embarcações não só aquelas engajadas em serviços formais concedidos (linhas transversais de travessias, por exemplo, e longitudinais), mas também limitando o direito de ir e vir sem problemas da população que depende de transporte aquaviário (a chamada navegação difusa) para seus cotidianos.

Nos hidrogramas abaixo, acompanhe a evolução das variações da UHE Xingó descritas

Figura 1- Zero hora do dia 27, vazão em queda, como é visível no gráfico. Fonte: ANA/SNIRH
Figura 2 – Às 13:00, o piso de uma queda de cerca de 800 m³/s em algumas hora. Fonte: ANA/SNIRH
Figura 3 – Às 20:00, a menor vazão recente.Fonte: ANA/SNIRH.
Figura 4- Vazão no momento do fechamento da matéria. Fonte: ANA/SNIRH
Figura 5- O hidrograma dos últimos trinta dias mostra a inviabilidade ambiental das operações da UHE Xingó. Não há qualquer rio saudável com tal padrão de fluxo de água. Fonte: ANA/SNIRH.

Na galeria abaixo, imagens produzidas na Reserva Mato da Onça

Na estação Reserva Mato da Onça, o leito do rio mais uma vez exposto. A bomba de captação em seco. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco.
A quantidade de massa vegetal e algal exposta é a evidência de um grave problema que permanece sem atenção. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco.
A massa de algas comprova a comprometida situação da água no Baixo São Francisco. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco.
Com as lanchas em terra, por imposição do setor elétrico, não há como se deslocar, Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco.
A bomba do viveiro da Reserva e usada ainda nos plantios de restauro, inoperante. Foto: Daia Fausto | InfoSãoFrancisco.
Mais uma vez, cravada na lama, em situação de risco de danos consideráveis. Foto: Daia Fausto | InfoSãoFrancisco.
O recuo da água provoca uma variação na lâmina d’água que afeta rio, gente, paisagem. Componentes ausentes nas condicionantes de operações. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. | InfoSãoFrancisco.

É INADIÁVEL A DISCUSSÃO POR MUDANÇAS SUBSTANCIAIS NAS OPERAÇÕES DA UHE XINGÓ

Com suas marés ao longo do dia, assim opera, há vinte e seis anos, a UHE Xingó (1993/94), promovendo a sobreposição de seu passivo socioambiental ao conjunto já bem consolidado de saldo negativo das operações da UHE Sobradinho e sucessivos empreendimentos desde 1979/80 (veja Sobradinho +40 – A desintegração do rio da integração).

Nota: com as operações da UHE Xingó, onde cada uma das seis máquinas turbina cerca de 500 m³/s, passamos a ter as grandes e danosas variações de defluência no Baixo São Francisco.

Além dos inúmeros problemas de convívio de populações espalhadas pelas margens com um rio que não se comporta como um rio, fica evidente a inexistência de um rigoroso limite para as faixas de operação que são intoleráveis para o meio ambiente, que não para de se degradar há anos (sendo esse mais um efeito de usos e ocupações predatórios de toda a bacia do Velho Chico): são estipuladas vazões mínimas de operação para a UHE Xingó (que ainda opera com a Autorização Especial IBAMA 012/2017 permitindo a vazão mínima de 550 m³/s) sem que sejam conhecidas restrições precisas para as máximas e mínimas das vazões médias (o grifo é nosso).

Observando uma amostra do hidrograma dos últimos trinta dias, com as variações das vazões, é inquestionável que o rio, seus ecossistemas, populações ribeirinhas permanecem, reconhecidamente, elementos ausentes das condicionantes, regras e restrições para a operação do barramento.

A questão das variações de vazão provocadas pelas operações da UHE Xingó é ausente na mídia que prefere dar vivas à uma “fake cheia”, não explicando a grande diferença entre a água turbinada, inadequada para o serviço ambiental, posto que o objetivo de sua liberação é apenas a produção de energia, e água liberada, em fluxo contínuo, para o serviço ambiental, melhoria da qualidade do líquido, manutenção do acesso ao mesmo pelas populações difusas, recuperação da paisagem, dentre inúmeros pontos.

Nota: é evidente que a vazão na faixa atual, mesmo turbinada, é algo menos ruim do que defluências menores. Porém, repetindo de forma insistente, deve ficar claro que temos quarenta anos de regularização a partir da UHE Sobradinho, a construção das demais UHEs dentre as quais Xingó (1993/94), com a soma e sobreposição de todos os impactos. Quando Xingó começou a operar o rio já estava profundamente alterado e as vazões anteriores a 2013 não espelham qualquer normalidade.

Se há algum vislumbre de discussão sobre recuperação do São Francisco – sendo como o rio deve chegar ao mar é o ponto básico – há que se modificar, sem dúvida, as operações da derradeira e talvez a mais danosa, para o Baixo São Francisco, das grandes barragens. Sem uma radical e necessária modificação de tal sistema predatório (que não é exclusivo da bacia do São Francisco), que também significa uma igualmente radical mudança nos chamados “padrões de consumo de recursos naturais” não há futuro não só para  Velho Chico mas também para os demais rios brasileiros que padecem sob o controle do setor elétrico.

É hora de uma revisão profunda e definitiva na forma operativa e insustentável de Xingó, o que evidentemente significará que haverá mudanças na obsessiva e predatória premissa (dos setores econômico e elétrico) de “atendimento da demanda”. A oferta acabou e é tempo de mudanças, também, na forma de consumo de água e energia, algo completamente viável e necessário. Se desejamos algo que ainda tenha semelhança com um rio, em um futuro não tão distante.

O espaço neste sítio está disponível para esclarecimentos por parte de órgãos e entidades citados.

AUTORIZAÇÃO DE VAZÃO DE 550 M³/S AINDA EM VIGOR

Sob o silêncio de todos os entes da gestão, municípios, estados e da sociedade do Baixo São Francisco, Xingó segue operando com a Autorização Especial 012/2017 que permite a vazão mínima de 550 m³/s..

A manutenção ad eternum da autorização, quando a ANA define e estação como normal, é um precedente extremamente danoso para com o já precário processo de licenciamento de operações de barramentos, colocando em risco, pela temerária situação, não apenas o São Francisco, mas todos os demais rios brasileiros que tenham barramentos em suas bacias.

ATÉ QUE CAIA

Em 13 de dezembro de 2019 foi publicada a matéria 550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco. Desde aquela data não são conhecidas, até o momento, disposições e/ou ações que levem ao cancelamento da Autorização Especial IBAMA 012/2017 e necessárias responsabilizações.

Temos, então, que a UHE Xingó permanece operando com a acima citada Autorização Especial 012/2017, sem qualquer reação, inclusive por parte dos entes do sistema de gestão que, naturalmente, não são desconhecedores da situação.

Os efeitos danosos se acumulam ao passivo já considerável de exatos quarenta anos de regularização desde a entrada em operação de Sobradinho (1979/80).

Para que esse caso não caia no esquecimento, na normalidade cotidiana, será mantida a republicação desta denúncia agregada à cada nova notícia, ininterruptamente, até que seja conhecida reação que conduza ao cancelamento/revogação desta licença que equivale a mais um desastroso passo rumo ao fim do rio São Francisco.


Veja ainda

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Fontes

CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico


Imagem em destaque -Montagem sobre imagens de divulgação. Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco