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As chagas abertas pela lama ainda sangram

Tragédia provocou 270 vítimas, quatro das quais ainda estão desaparecidas. Foto: Mauro Pimentel/AFP

por Valéria Antônia Carneiro | Le Monde Diplomatique – Brasil

Acompanhe o relato de Valéria Antônia Carneiro, agricultora, assentada da reforma agrária no Assentamento Pastorinhas em Brumadinho e atingida pelo desastre-crime da Vale.


Falar dos quatro anos de desastre-crime da Vale S.A em Brumadinho é mexer nas feridas mais profundas e doloridas da alma. As chagas abertas pela lama ainda sangram.

Passados quatro anos do crime, a conclusão que chego é que nada ainda foi reparado. Até a presente data não houve uma audiência para tratar dos danos à agricultura. Trago esse exemplo pois é o meu lugar social enquanto atingida.

Importante dizer que a empresa vem adquirindo vários imóveis rurais e colocando em risco a agricultura familiar do território, como forma de ampliar a área de mineração.

Nós, mulheres, mesmo em chagas, lutamos para manter viva a agricultura no território tão violado, sendo a primeira fronteira de resistência à mineração tanto na proteção dos territórios e do meio ambiente como na opção econômica ao modelo da minério-dependência.

Andar pelos territórios de Brumadinho não é mais a mesma coisa. Por todos os lados há traços do crime, seja no caminho em que a lama fez, seja nas obras da suposta reparação que viola novamente as comunidades. Essa ideia de reparação propagada pela Vale S.A produz novos desmatamentos, enterra as nascentes, mata os animais domésticos e silvestres. Derruba o patrimônio cultural, abrindo chagas nos corações e na natureza.

Familiares com fotos das vitimas da tragédia durante discussão e votação do relatório final da CPI de Brumadinho. (Foto: Agência Brasil)

Seguimos lutando para que a devida reparação aconteça com a participação das pessoas atingidas, para que meninas e mulheres possam voltar a andar pelos territórios sem serem assediadas, desrespeitadas e violadas. Para que tenhamos nossos modos de vida respeitados e nossos direitos garantidos a partir dos nossos próprios reconhecimentos e não da empresa violadora.

Lutamos para que nós, agricultores e agricultoras, possamos voltar a produzir nossos alimentos e comercializar nossos produtos sem o fantasma da contaminação do ar, do lençol freático e das águas. Para que possamos ter acesso à água de qualidade e quantidade suficiente para uma vida digna. Tudo nos foi roubado e enterrado pela lama derramada em nós no dia 25 de janeiro de 2019, levando consigo o nosso direito de sonhar. A palavra que ecoa no Vale do Paraopeba é Justiça. Justiça por reparação e direito à vida digna. A natureza violada clama por regeneração, no tempo da natureza e não do tempo do sistema capitalista, que preza o lucro. Por fim, deixo aqui uma frase, cujo autor desconheço, mas que virou meu lema diário e me dá forças para continuar na luta: tentaram nos enterrar, mas esqueceram que éramos sementes.

Valéria Antônia Carneiro, agricultora, assentada da reforma agrária no Assentamento Pastorinhas em Brumadinho e atingida pelo desastre-crime da Vale.


Fontes: Le Monde Diplomatique Brasil


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