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Para todos: tecnologias e ciências cidadãs abertas despontam no Baixo São Francisco

por InfoSãoFrancisco

Às margens do Velho Chico, no alto sertão de Alagoas e Sergipe, a iniciativa MapSãoFrancisco inicia o desenvolvimento de tecnologias e equipamentos que possibilitarão o empoderamento de populações para o monitoramento de rios e corpos d’água de forma autônoma: o projeto de uma pequena embarcação de pesquisa e monitoramento pode ser útil para o São Francisco e outros rios do Brasil e do mundo.


Aprender a utilizar sistemas, tecnologias e equipamentos para a produção de dados que possibilitem, de forma autônoma pelas comunidades do Baixo São Francisco, o mapeamento de populações em zonas de risco de alagamento. Esse era o propósito prioritário com o qual a equipe do HOT – Humanitarian OpenStreetMap Team desembarcou no Baixo São Francisco, mais precisamente no povoado alagoano Ilha do Ferro, para as duas semanas de capacitação da equipe nativa do MapSãoFrancisco, treinamento que teve sua primeira fase finalizada há poucos dias, como já apresentado pelo InfoSãoFrancisco.

As atividades de treinamento ocorreram como uma ação paralela ao mapeamento das lagoas e várzeas marginais intermitentes, primeira etapa do Subprojeto 01 – Mapeamento de Populações em Zonas de Risco de Alagamento – Baixo São Francisco, atualmente em fase final de validação.

Na bagagem da equipe do HOT vieram equipamentos que seriam pela primeira vez testados e avaliados em monitoramento de rios (batimetrias seca e molhada, medição de vazão) para seu emprego, se aprovados, em projetos semelhantes ao do São Francisco em rios de outros países onde a organização internacional tem cooperações.

Seguindo sua linha de atividades a partir de tecnologias e sistemas abertos, gratuitos, públicos e de fácil acesso por qualquer pessoa, foram apresentados à equipe local do MapSãoFrancisco dispositivos que poderiam ser chamados como “de prateleira”. São, todos eles, facilmente encontrados no comércio, de baixo custo, cujas características técnicas e de desempenho possibilitam resultados semelhantes aqueles obtidos por equipamentos/sistemas sofisticados acessíveis apenas por instituições de ensino, pesquisa e empresas voltadas para tais serviços.

Necessidade provoca a criatividade

Dentre os aparelhos que seriam utilizados na capacitação, estava um sonar acoplado a um GPS para a realização d e levantamento do leito do rio, no trecho definido como ADI – Área de Interesse em frente ao povoado Ilha do Ferro.

O sonar, desenvolvido para a pesca amadora e de baixo custo, tinha um formato esférico do tamanho aproximado de uma bola de tênis, sendo impossível de utilização rebocado por uma embarcação ou mesmo com instalação em seu casco. Para sua aprovação, além da qualidade e precisão de dados coletados, o sonar deve ser de operação simples, em qualquer local, com qualquer embarcação.

No caso do São Francisco, onde o MapSãoFrancisco definiu o mapeamento de aproximadamente 200 km de margens entre a barragem da UHE Xingó e a foz do rio, é imprescindível que a mesma seja realizada em tempo mínimo, como explicou Carlos Eduardo Ribeiro Jr., da Sociedade Canoa de Tolda, uma das entidades criadoras do MapSãoFrancisco.

Uma solução nativa para rios de cá e de lá. Foto: Antônio Laranjeira

“Nós tínhamos uma situação logo no início das atividades da capacitação que exigia uma solução rápida: como utilizar o sonar não só naqueles dias, para atender à capacitação, mas também em atividades de batimetria futuras. E a solução deveria ser rapidamente encontrada e viabilizada com os meios disponíveis no local. Foi quando decidimos pela construção de um pequeno trimarã não motorizado de espuma que receberia os equipamentos necessários para a varredura. O trimarã seria rebocado por uma das lanchas engajadas nas atividades, o que não é uma novidade, pois inúmeros sistemas de prospecção aquática utilizam pequenas embarcações parecidas”, prossegue Carlos Eduardo.

Na água, o protótipo rústico confirmou eficácia de equipamentos e conceito da ideia. Foto: Antônio Laranjeira

Construído de forma coletiva pelos participantes das atividades em algumas horas o trimarã mostrou, na água, que sua associação aos equipamentos propostos fora acertada: a qualidade dos dados obtidos foi extremamente favorável, de grande precisão, tudo obtido em pouco tempo de varredura.

No entendimento do MapSãoFrancisco o pequeno trimarã de espuma significou um grande passo em direção à autonomia na produção e “posse” de conhecimentos para usos de interesses coletivos difusos, uma vez que tais equipamentos são disponibilizados por um número limitado de empresas e sempre a custos incompatíveis com a democratização da ciência e conhecimento, indispensáveis para tomadas de decisões.

Igor da Mata Oliveira, professor de Engenharia de Pesca da UFAL – Universidade Federal de Alagoas em Penedo e um dos coordenadores do MapSãoFrancisco, acredita que a iniciativa “já se mostrou um projeto cheio de possibilidades, cujo potencial ainda é desconhecido. Essa iniciativa do trimarã coaduna com os objetivos do parceiro HOT, de desenvolver equipamentos abertos à sociedade, popularizando tecnologia de ponta acessível a populações em situação de isolamento sociopolítico ou socioambiental.”

A solução e os resultados do trimarã foram encaminhados ao HOT cujo entusiasmo marcou que ali nascia um projeto estratégico para o monitoramento de rios em diversos outros países além do Brasil.

De acordo com Ivan Gayton, Orientador Humanitário do HOT e um dos coordenadores da cooperação com o MapSãoFrancisco “a Canoa de Tolda trouxe uma grande novidade para a mesa; antes deste projeto nossos levantamentos de batimetria eram realizados com um receptor GNSS montado em um poste por um topógrafo dentro do rio com vestimentas à prova d’água. Isso estava fora de questão para um rio do tamanho do São Francisco, e para tal a equipe selecionou uma unidade de sonar de consumo (um localizador de peixes!) para medições de profundidade, com a intenção de manter essa unidade na água a partir de uma embarcação pequena. No entanto, a Canoa de Tolda construiu um pequeno trimarã personalizado de espuma, com a unidade do GPS de alta precisão montada na parte superior e o sonar na parte inferior. Isso funcionou incrivelmente bem, não apenas permitindo levantamentos de batimetria que seriam difíceis e perigosos de outra forma, mas tornando todo o processo muito mais rápido e eficiente.”

Um projeto independente

A quantidade de trabalho pela frente e o volume de batimetria a ser realizada mostram a necessidade de um equipamento [quase] definitivo para o prosseguimento dos levantamentos no Baixo São Francisco. Assim, o que era há alguns dias atrás uma solução quase que emergencial ganhou a qualificação de subprojeto do MapSãoFrancisco em cooperação com o HOT, tendo sido objeto de constante evolução.

O trimarã de monitoramento de águas, em versão inicial. Imagem: Carlos E. Ribeiro Jr/Canoa de Tolda

As primeiras imagens da modelagem do trimarã – ainda sem nome – para emprego em monitoramento de águas abrigadas já mostram o avanço do projeto que terá a construção de seus protótipos iniciada em breve.

Imagem: Carlos E. Ribeiro Jr/Canoa de Tolda

Animado com o projeto do trimarã Carlos Eduardo vê o grande diferencial do projeto “que será aberto, gratuito, disponível a qualquer pessoa que deseje replicá-lo e construí-lo em qualquer local do mundo. O que estamos desenvolvendo, a partir de uma longa experiência em projetos de multicascos oceânicos a vela e a motor é uma verdadeira embarcação de porte reduzido, com qualidades marinheiras, baixo arrasto hidrodinâmico, adequada capacidade de carga, resistente, manutenção mínima e fácil construção. Evidentemente, para dinamizar o esforço que está sendo aplicado, já estamos em conversação sobre possíveis versões autônomas (drones aquáticos) para aplicação em situações de risco para seres humanos”

Imagem: Carlos E. Ribeiro Jr/Canoa de Tolda

Do Velho Chico para outras águas?

A situação em outros locais do mundo onde populações enfrentam situações similares às do Baixo São Francisco, de não acesso a tecnologias de precisão para a produção de dados e informações precisos é um fator consistente para a disseminação do trimarã para navegar em outras águas.

Em outros rincões da América Latina, África e Ásia o trimarã do Baixo São Francisco estaria contribuindo para a tentativa de erradicação de situações de populações em injustiça socioambiental, o que é uma expectativa para Igor que entende que “Como pesquisador, representando a UFAL, é muito gratificante estar envolvido num projeto como esse de extensão, com tantas ramificações e poder contribuir com o aperfeiçoamento desse eixo de mapeamento. Essa embarcação levará consigo o DNA da tradicional e diversa engenharia naval da região do Baixo SF, e certamente será replicada em outras partes do mundo. “

As mesmas perspectivas são compartilhadas por Ivan, que vê um futuro prolífico para a cooperação do HOT com o MapSãoFrancisco, deixando claro que “Rainbow Sensing, HOT e OMDTZ – OpenMapDevelopment Tanzania planejam adaptar este trimarã para os contextos africanos onde trabalhamos, tornando a Canoa de Tolda um colaborador valioso (e – esperamos – um eventual membro do nosso consórcio Local People, Local Devices, Open Knowledge).”

O MapSãoFrancisco é uma iniciativa da Canoa de Tolda e InfoSãoFrancisco que conta com a cooperação técnica do HOT – Humanitarian OpenStreetMap Team e da UFAL – Universidade Federal de Alagoas através de seu curso de Engenharia de Pesca com o IMAP – Laboratório de Investigação e Manejo da Pesca, em Penedo, Alagoas.

Fontes: MapSãoFrancisco; Canoa de Tolda; HOT – Humanitarian OpenStreetMap Team


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