por Heitor Scalambri Costa

O crescimento de grandes complexos eólicos no país, em particular no Nordeste, tem crescido vertiginosamente nos últimos anos, principalmente devido a excelente qualidade dos ventos na região, da flexibilização e da baixa fiscalização das leis ambientais, e do preço da terra arrendada (ou comprada) ser insignificante diante dos investimentos realizados. Tais condições têm atraído inúmeros empreendedores nacionais e internacionais pela alta lucratividade desta atividade, conhecida como “negócios do vento”.
 


Com a rápida expansão desta agenda econômica, inúmeros impactos, conflitos e injustiças socioambientais estão sendo detectadas, e relatadas em estudos e trabalhos realizados pelas universidades públicas, centros de pesquisa, organizações não governamentais, sindicatos de trabalhadores rurais, e comissões pastorais ligadas à igreja católica.
 
Todavia, a propaganda com justificativas falaciosas e tendenciosas, o uso de táticas questionáveis pelas empresas e de sua representação nacional, a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), tem confundido e omitido da opinião pública, a atual situação nos territórios onde foram implantados os complexos eólicos. Ao mesmo tempo o governo federal, governos estaduais e municipais têm cedido a tais interesses econômicos, legislando a favor dos “negócios do vento”; não levando em consideração o desastre socioambiental provocado, e o que se anuncia para os próximos anos com o atual modelo de expansão desta tecnologia, que tem optado pela geração centralizada, em benefício exclusivo do lucro das empresas.

Alguns dos principais efeitos negativos identificados estão relacionados a supressão de vegetação (área para a instalação dos aerogeradores e construção de estradas); aos problemas causados a fauna (mortandade de morcegos, pássaros), as pequenas criações (diminuição dos ovos, do leite, abortos, …); as alterações do nível hidrostático do lençol freático no processo de instalação da estrutura das torres; aos impactos sonoros e efeito “estroboscópio” afetando a saúde das pessoas (distúrbios do sono, dor de cabeça, zumbido e pressão nos ouvidos, náuseas, tonturas, taquicardia, irritabilidade, problemas de concentração e memória, episódios de pânico com sensação de pulsação interna ou trêmula, que surgem quando acordado ou dormindo); aos deslocamentos das populações com destruições de modos de vida de populações tradicionais; a expropriação de terras (com contratos draconianos de arrendamento) e pagamentos irrisórios dos arrendadores.

Não se pode admitir que continue esta situação de “vale tudo”. Não é respeitado nem áreas de conservação, nem brejos de altitude, áreas indígenas, áreas quilombolas, fundos de pasto, áreas da agricultura familiar, áreas litorâneas de vocação turística, …. É mais que urgente mudar a rota do atual modelo de expansão adotado, diante da necessidade de utilizar as fontes renováveis de energia (sol, vento, biomassa, água), na descarbonização tão necessária e urgente, para uma transição energética justa, e assim, enfrentar a emergência climática que assola o planeta.

Várias propostas para minimizar estes problemas têm sido sugeridas e discutidas. Como a priorização da produção descentralizada de energia. Não há dúvidas que grandes instalações contínuas com seus efeitos cumulativos, ocupando grandes áreas (onde existem moradores dispersos), atentam mais gravemente contra o meio ambiente e as pessoas, do que pequenas instalações eólicas. O tamanho do impacto é proporcional ao tamanho da área ocupada pelos aerogeradores, transformadores, e pela construção de estradas e acessos, além das linhas de transmissão

No sentido de evitar e mesmo minimizar os danos, urge tornar obrigatório o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto de Meio Ambiente (RIMA) para tais empreendimentos. Não é correto tecnicamente utilizar a expressão energia limpa (como de baixo impacto ambiental) para instalações de grande porte, diante do que está ocorrendo, e assim exigir somente o Relatório Ambiental Simplificado (RAS).

O zoneamento territorial evitaria que determinadas áreas recebam os complexos eólicos e assim minimizaria danos ambientais, sociais, culturais e econômicos, além de evitar a competição entre produção de alimentos e de energia. A atualização dos Atlas dos Ventos, pode ser um caminho, se for levado em conta em sua confecção: a) as políticas públicas ambientais; b) a localização das Unidades de Conservação; c) áreas de proteção ambiental dos Brejos de Altitude (Pernambuco e Paraíba); d) áreas de proteção de mananciais hídricos; e) as áreas de “hotspot” da conservação biológica; f) zonas de produção agroecológica; g) as propriedades rurais produtivas da agricultura familiar e assentamentos agrícolas.

Efetivo acompanhamento e fiscalização pelos órgãos ambientais (o que não acontece hoje) de todas as etapas de licenciamento (prévia, instalação e operação) concedidas. Transparência dos relatórios das equipes de fiscalização e acompanhamento com a sua publicização, com informações sobre o atendimento ou não, das exigências contidas nas licenças expedidas (compensação).

Os complexos eólicos têm deixado profundos rastros de destruição do meio ambiente e na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam). Desde a obtenção do terreno (pela compra, ou pelo arrendamento), a sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos), a construção das linhas de transmissão, a piora na saúde das pessoas, a desconstituição das atividades produtivas com a desestruturação dos modos de vida.

Sem que requisitos socioambientais sejam atendidos, sem o respeito pela vida das pessoas que vivem e tiram seu sustento de onde vivem, e cultivam suas tradições; os grandes complexos eólicos são insustentáveis, e no fim das contas trazem mais desvantagens do que vantagens. Assim, propõe-se a criação de territórios livres dos complexos eólicos (TLCE), que a geração distribuída seja priorizada, e que seja exigido o EIA/RIMA para o licenciamento dos empreendimentos.

Heitor Scalambrini – Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França. É também membro da Articulação Antinuclear Brasileira.


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Sobre o autor

Heitor Scalambrini

É físico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo Departamento de Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), doutor pela Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de Fotoeletricidade/Comissariado de Energia Atômica da França, professor aposentado da UFPE e ativista antinuclear.