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Vizinha à nascente do Velhas, Floresta do Uaimií queima por negligência durante cinco dias

O descanso. Foto: Jeanine Barbosa

por Projeto Manuelzão

Incêndio atingiu a Floresta Estadual do Uaimií, em Ouro Preto, e pode ter queimado mais de 400 hectares de mata; área é próxima à Cachoeira das Andorinhas.


Desde o dia 18 deste mês, os moradores do distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto, acusavam focos de incêndio na Serra do Capanema e na Floresta Estadual do Uaimii, localizada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual da Cachoeira das Andorinhas, que abriga as nascentes do rio das Velhas. Foram cinco dias de incêndio até que brigadistas do Parque Nacional Serra do Gandarela, da força-tarefa Previncêndio do Instituto Estadual de Florestas (IEF), funcionários da unidade e voluntários conseguissem extinguir o fogo. Na última quarta-feira, 22, quando o fogo foi vencido, Minas Gerais registrou focos de incêndio em 20 unidades de conservação.

A Floresta Uaimii foi criada por decreto estadual em 2003, com uma área de 4.398 hectares. Dentro de sua extensão estavam incluídas as fazendas Ajuda, Mata-Pau, Paiol e Tapera. A área foi acordada com a Câmara de Proteção da Biodiversidade (CPB) por compensação ambiental pela implantação da mina Fábrica Nova, da Vale, pertencente ao complexo de Mariana.

Reprodução: Manuelzão
Levantamento dos focos de incêndio na Floresta Uamii a partir de segunda-feira (20). Divulgação APA Estadual Cachoeira das Andorinhas.

“Esse incêndio foi em uma área muito importante por ter nascentes significativas para o rio das Velhas e para o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O fogo queimou uma área de campo rupestre, de quartzitos e de canga couraçada, com rara beleza e endemismo [quando uma espécie animal ou vegetal ocorre somente em uma determinada área ou região geográfica]. É uma ‘ilha’ entre a Floresta Uamii e o Parque Nacional da Serra do Gandarela. Uma área de biodiversidade importante, por isso contida na APA da Cachoeira das Andorinhas”, aponta Ronald Guerra vice-presidente do Instituto Guaicuy e membro do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Velhas).

Parte da Fazenda Ajuda foi retirada da delimitação da Floresta Uaimii. Esse “acordo corporativo”, como denuncia Guerra, deu origem a uma representação enviada à gestora da APA da Cachoeira das Andorinhas e ao Ministério Público de Minas Gerais. A representação foi assinada por diversos entidades ambientalistas, inclusive o Projeto Manuelzão.

A área de 400 hectares está na posse da mineradora Vale e foi exatamente onde começou o foco de incêndio. A Floresta Uaimii está inserida no território da APA da Cachoeira das Andorinhas, região de encontro entre Mata Atlântica e Cerrado e que abriga também o Parque Natural Municipal das Andorinhas. Tanto a APA Cachoeira das Andorinhas quanto a Floresta Uaimii são classificadas como unidades de conservação de uso sustentável de Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), com biodiversidade essencial para a região central e para a bacia do Velhas.

Guerra alerta que o fogo pega bem mais rápido em uma área de campo, com mais disposição a proliferar, do que Mata Atlântica, por exemplo. Mas que a biodiversidade não está limitada geograficamente.

Reprodução: Fireguard
Focos laranja representam incêndios detectados de 24 a 36 horas antes. Focos amarelos 36 a 48 horas. Imagem do segundo dia de queimadas.

“Há uma tendência em dizer que foi fora da área de proteção, ou que pertence à Vale – e não pertence -, como se a biodiversidade tivesse limites territoriais. A nossa luta é para que a área tenha um critério de proteção maior. Existe uma concordância entre o IEF e a Vale para manter assim, é uma questão corporativa. Todas as instituições que fizeram o acordo corporativo têm a obrigação de controlar o incêndio. Chamo de corporativo porque foi escondido, era pra ser uma Floresta Nacional. Fui chamado para ser conselheiro junto de mais uma equipe, e as três instituições se uniram para retirar a esfera do complexo da Mina Timbopeba da área protegida, por interesse da Vale”, explica o ambientalista.

Reprodução: Jeanine Oliveira

As instituições citadas no ‘acordo corporativo’ são a proprietária da área, Horizonte Têxtil – Grupo VDL, a Vale, dado que a floresta foi criada como recurso de compensação e o próprio IEF.

A ambientalista do Projeto Manuelzão, Jeanine Oliveira, esteve presente nas brigadas voluntárias como parte do Núcleo BH da Brigada 1 e relatou a experiência.

“Foi muito difícil ter uma resposta em campo, principalmente pelo sistema sobrecarregado do IEF, porque está tudo pegando fogo. O apoio aéreo só chegou depois. A brigada o Parque Nacional Serra da Gandarela demorou dois dias para encontrar água. É uma mistura de falta de planejamento para o fogo, com a lacuna em ações muito simples para mitigação (como capinar e fazer aceiro); negligência, devido ao fogo iniciar em áreas de difícil acesso e quando toma proporção é bem mais difícil de combater; e, no final, a falta de apoio da infraestrutura do próprio estado. É importante dizer que são incendiários, não são naturais do bioma”, avalia.

Reprodução: Jeanine Oliveira

Jeanine explica as dificuldades em decorrência da falta de apoio material: o apoio aéreo é crucial para o translado das pessoas e o combate estratégico depende de diversos elementos funcionando simultaneamente, como o avião que despeja água para resfriar o foco, assegurando uma temperatura conveniente para combate. Bem como garantir que o combatente disponha de estrutura mínima de pá, facão, soprador, abafador e bomba costal.

“No caso do soprador, não tivemos acesso à gasolina para que ele funcionasse. É uma comunhão de responsabilidades, da Vale, do IEF. E houve uma negligência geral num primeiro momento, principalmente do setor privado. Os bombeiros militares também não apareceram para o combate”, denuncia Jeanine.

O fogo foi parcialmente vencido, ou debelado, na quarta-feira, 22. Mas a área ainda pede atenção. Já que após apagado o fogo, permanece o calor, o que é chamado de rescaldo pelos brigadistas. Há necessidade de um resfriamento feito com água para apagar todos os focos remanescentes que possam reacender as chamas, além de eliminar todos os possíveis objetos combustíveis.

Acompanhe as redes do Brigada 1 para apoiar as atividades do grupo voluntário.


Fontes

Projeto Manuelzão


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