por Nádia PontesDW – Deutsche Welle Brasil

Pantanal foi bioma que mais viu água desaparecer da superfície, seguido por Caatinga e Amazônia. Desmatamento, barragens, hidrelétricas e mudanças climáticas são apontados como causas para o rápido fenômeno.


O baixo nível atual dos reservatórios que mergulhou o Brasil numa crise hídrica não parece ser um fato isolado. Em todo o país, a água doce disponível para consumo vem desaparecendo da superfície num ritmo assustador: 15,7% dela foram perdidos nos últimos 35 anos. Foram 31 mil km² de área inundada que evaporaram definitivamente nesse período – como se todo o Sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana de São Paulo, tivesse sido esvaziado 16 vezes.

O cálculo faz parte de uma iniciativa inédita do MapBiomas, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, e disponibilizado numa plataforma online gratuita a partir desta segunda-feira (23/08). A análise da série histórica foi feita por meio de imagens de satélites obtidas a partir de 1985, ano em que começaram a ser registradas.

A tendência de queda de água superficial foi registrada em todos os seis biomas do país. O mais afetado foi o Pantanal, a maior planície inundável do planeta. De 1985 a 2020, o decréscimo foi de 68%.

“São dados alarmantes. É um sinal de que o Pantanal está secando como um todo, que ele está morrendo. Uma área úmida sem água perde seu principal atributo ecológico”, avalia Cássio Bernadino, coordenador de projetos do WWF-Brasil que participou do levantamento.

A região com o rio mais volumoso do planeta, a Amazônia, também não passou incólume pelo fenômeno. No período analisado, a redução observada foi de 10,4%. “Isso é uma enormidade para a maior bacia hidrográfica do mundo”, ressalta Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

A água doce que escorre para o oceano não tem voltado para abastecer o continente em forma de chuvas.

Colapso da máquina natural de chuva

A análise evidenciou o impacto do corte das árvores na Amazônia na própria região. Onde a mata nativa some, o entorno fica mais seco. Uma demonstração vem da zona conhecida como arco do desmatamento, por onde a devastação histórica avança mais rápido sobre a floresta. É nessa fronteira agrícola que propriedades rurais estão construindo reservatórios descontroladamente.

“O sujeito está na bacia Amazônica, a maior do país, e a água não dá mais conta, ele precisa fazer reservatório para o período de seca. São mais de 50 mil reservatórios, a grande maioria irregular, algo que, até então, não aparecia nos mapas”, diz Azevedo sobre uma das descobertas do levantamento.

Jacaré morto em área seca no Pantanal, em setembro de 2020.

Toda essa situação provoca uma série de impactos graves em cadeia. Como esses reservatórios estão localizados nas cabeceiras dos rios, há menos água escoando para os cursos dos rios e para onde está a floresta. Isso desregula de forma preocupante o funcionamento da máquina natural de produção de chuvas que é a Amazônia.

“Já temos menos árvores bombeando água para a atmosfera [por causa do desmatamento] e menos água chegando até as árvores. Menos água sendo bombeada significa menos chuva”, detalha Azevedo.

Os estragos dessa “quebra de produção” não se restringem à Amazônia. Como é de lá que partem grandes fluxos de umidade para todo o continente, os chamados rios voadores, a diminuição das chuvas é sentida em vários pontos do país.

“Para evitar a piora, é preciso parar o desmatamento, e isso está na governança do Brasil. A primeira razão pra isso é para manter as chuvas, evitar as secas. É preciso recuperar floresta em larga escala para que ela recicle essa água”, sugere Azevedo.

O único jeito de a água perdida voltar para o continente é pela chuva. Por isso o papel vital da floresta: ela funciona como uma enorme bomba que recicla a água do sistema.

Por que a água secou

Depois do Pantanal (68%), os biomas que mais secaram foram Caatinga (17,5%), Amazônia (10,4%), Mata Atlântica (1,4%), Cerrado (1,3%) e Pampa (0,5%).

Dentre os motivos apontados pelos pesquisadores para o cenário em todas essas regiões estão as mudanças climáticas, com períodos secos cada vez mais prolongados e os úmidos mais concentrados.

Um exemplo recente da Amazônia vem do rio Negro. A cheia extrema da última temporada, que atingiu o nível mais elevado medido nos últimos 120 anos, inundou a maioria dos 62 municípios do Amazonas e causou grandes prejuízos à região, já fortemente abalada pela pandemia.

Quando observado na série histórica, o Negro, por outro lado, tem perdido a sua potência. Os dados do MapBiomas mostram uma tendência de decréscimo de superfície de água em sua sub-bacia, com uma redução de mais de 3.600 km².

“Quando a chuva fica muito concentrada, até há cheias, como ocorreu no Amazonas, mas depois a seca é muito mais prolongada. As cheias não dão mais conta dos estragos provocados pelas secas. Com isso, tudo vai ficando cada vez mais seco”, detalha Azevedo.

Além das mudanças climáticas, o desmatamento, a construção de barragens e de hidrelétricas, a poluição e superexploração dos recursos hídricos influenciam o panorama. Alguns casos observados indicam uma relação desproporcional entre fronteiras agrícolas e perda de água: quanto maior o avanço das grandes áreas de cultivos sobre a mata nativa, mais rápido o recurso hídrico some da superfície.

Nos últimos 15 anos, a expansão de grandes plantações ao longo do rio São Francisco provocou uma redução de 10% na água superficial. Na região do baixo São Francisco, próxima à foz, a intrusão marinha compromete o encontro do rio com o mar e a sobrevivência de comunidades ribeirinhas.

A água no planeta

Cerca de 97,5% da água na Terra estão no oceano. Da porção doce (2,5%), apenas 1% não está congelada nas geleiras ou no mar.

A maior parte dessa água doce (90%) está no no subterrâneo. O que sobra em lagos e rios equivale a 0,1% de toda a água doce disponível do planeta. “É dessa pouca água que estamos perdendo”, alerta Azevedo.

Artigo publicado originalmente no DW – Deutsche Welle Brasil.


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O artigo não exprime, necessariamente, a opinião do InfoSãoFrancisco.

Sobre o autor

Nádia Pontes

Jornalista da DW - Deutsche Welle Brasil especializada em ciência e meio ambiente.