por Rafael Oliveira | Agência Pública
Saiba quem é o empresário com a maior quantidade de água outorgada de graça a pessoas, empresa ou grupo familiar do Cerrado baiano.
Empresário é o maior outorgante do oeste baiano e busca mais água
Primeiras autorizações datam de 2008, mas ainda não foram utilizadas
Schettino já foi réu de processo por formação de quadrilha e cartel
“A primeira coisa que a gente precisa entender é que os padrões do oeste da Bahia são muito diferentes.” A afirmação é da hidróloga Samara Fernanda da Silva e explica muito bem o pedaço de terra baiano onde o Cerrado é o bioma predominante e o agronegócio, a atividade dominante.
Por lá, estão seis dos dez maiores municípios em extensão do Nordeste brasileiro. Em um deles, Formosa do Rio Preto, se encontra o Condomínio Agronegócio Fazenda Estrondo, megalatifúndio de cerca de 305 mil hectares, quase duas vezes o tamanho de São Paulo.
Ainda que as dimensões do oeste baiano sejam grandiosas, a Agência Pública identificou que um único CPF tem autorização do governo do estado para captar água suficiente para abastecer toda a população de Salvador, que tem cerca de 2,9 milhões de pessoas, segundo o IBGE.
O volume de água concedido a esse único CPF, 466,8 milhões de litros por dia, pode ser retirado de dois rios na região por Fernando Luiz Schettino Moreira, de 75 anos. É dele a maior quantidade de água outorgada a uma pessoa, empresa ou grupo familiar no oeste baiano.
Nesta semana, a Pública revelou quem são os outros privilegiados com a água do Cerrado baiano. As mais de duas dezenas de nomes estão ligadas a associações do agronegócio que podem captar de graça até 1,8 bilhão de litros diários, um volume capaz de abastecer 11 milhões de pessoas.
A maior outorga de irrigação de todo o oeste baiano
Destoando da maior parte dos grandes privilegiados de água da região, que são sulistas, e tem como ocupação principal o agronegócio, se organizando em torno de duas grandes associações – conforme revelado pela Pública nesta série especial –, Schettino é um empresário fluminense do ramo logístico. Ele é acionista e membro do Conselho de Administração da Tegma, uma das principais operadoras logísticas do país. Nascido em Volta Redonda (RJ), ele mora em um condomínio de casas de luxo na zona sul de São Paulo, a mais de 1.100 quilômetros do oeste baiano, onde estão as fazendas.
A despeito de não ser um nome consolidado no agronegócio da região, Schettino obteve do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) duas outorgas hídricas em seu nome, ambas válidas até setembro de 2023.
A maior das autorizações permite que o empresário capte 326,8 milhões de litros de água por dia do rio Arrojado, para irrigar 4.837 hectares com pivô central, durante 21 horas por dia, nas fazendas Conquista I, II, III e IV.
Essa é, individualmente, a maior outorga de irrigação de todo o oeste baiano. A título de comparação, a segunda maior outorga, concedida à Agropecuária da Barra, autoriza a captação de 265,5 milhões de litros.
Além disso, a outorga de Schettino representa mais do dobro da quantidade de água que a empresa Lavoura e Pecuária Igarashi tinha autorização para retirar do Arrojado em 2017, quando uma das fazendas da empresa foi invadida e depredada por moradores da região, que vinham sentindo o impacto da vultosa captação feita pelo empreendimento agrícola. A outorga do empresário representa 11,38% da vazão total de água que se permite captar do Arrojado.
Já a menor outorga autoriza o empresário a retirar 140 milhões do rio Pratudão, na mesma região. A outorga, que permite irrigar 2.072 hectares das fazendas Sinimbu I, II, III, IV, V e VI, durante 21 horas por dia, é a 13ª maior do oeste baiano. Ela representa 17,82% da vazão outorgável do Pratudão.
Apesar de já poder captar mais de 466 milhões de litros superficialmente dos rios Arrojado e Pratudão, Schettino está em busca de mais água. Em fevereiro deste ano, ele conseguiu uma Autorização para Perfuração de Poço (APPO) no estado baiano. Com essa autorização, ele vai poder perfurar 20 poços tubulares, distribuídos em suas propriedades.
De acordo com a solicitação, o objetivo é utilizar os recursos para a irrigação, a partir da captação de água do subterrâneo, no aquífero Urucuia, fundamental para a manutenção da perenidade das bacias da região e igualmente central para o rio São Francisco.
Para efetivamente poder captar esses recursos hídricos, Schettino terá que solicitar nova outorga ao Inema. Em média, cada poço permite a captação de 9 milhões de litros de água por dia, o que daria para o empresário outros 180 milhões de litros diários, isolando-o ainda mais na liderança dos outorgados do oeste baiano.
No infográfico a seguir, listamos os maiores outorgados do oeste baiano – Schettino entre eles – e quanto cada um tem de água concedida pelo Estado.
Projeto em implementação
As fazendas Conquista e Sinimbu, que Schettino mantém junto a outros familiares, também ligados à Tegma, ficam em Jaborandi (BA), a 95 km do centro da cidade e a 60 km da sede de Correntina, na mesma região. São, ao todo, 23,6 mil hectares de terra, distribuídos em nove diferentes matrículas, todas contíguas – o que representa uma área maior do que a capital pernambucana, Recife.
Além de estarem no nome de Fernando Luiz Schettino, as propriedades pertencem a outras sete pessoas: os irmãos Francisco Creso Junqueira Franco Jr., Ana Lúcia Moreira Franco Ballve e Rogério, Mário Sérgio, Augusto César e João Paulo, todos esses com sobrenome “Moreira Franco”, além da mãe deles, Maria Thereza Moreira Franco. Os seis irmãos são filhos de Francisco Creso, com quem Schettino fundou, em 1969, a empresa que hoje se chama Tegma, e sobrinhos do empresário. Um sétimo irmão, Ricardo, já falecido, também aparece como proprietário nos documentos da fazenda.
As fazendas são ligadas também à Iaciaria Agropecuária, cujo nome fantasia é Sinimbu Agropecuária. A empresa tem como sócios os oito donos das propriedades rurais, além de Dilcileia Domingos Franco e a empresa Mac Participações Societárias – ligada a Mário Sérgio e Ana Cláudia Ferraz Franco. Há ainda uma outra empresa agropecuária ligada a Schettino e seus familiares: a Rio Formoso Agropecuária.
As primeiras outorgas para captação de água ligadas à família de Schettino datam de, no mínimo, junho de 2008 – como o acervo disponível do Diário Oficial da Bahia começa em julho de 2007, não é possível verificar se há outorgas anteriores. À época, o antigo Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá) concedeu autorizações de captação de água para seis membros da família, incluindo Schettino, com valores entre 53,7 e 70,1 milhões de litros por dia. Somadas, as outorgas chegavam a quase 377 milhões de litros, que poderiam ser captados do rio Pratudão, afluente do rio Formoso, na bacia do rio Corrente. Nos anos seguintes, as autorizações continuaram diluídas entre os familiares, até que, em 2019, passaram a ser centralizadas em Fernando Luiz Schettino.
A despeito da vasta quantidade outorgada e de terem autorização para captar recursos hídricos há pelo menos 13 anos, Schettino e sua família ainda não usufruíram de toda a água concedida pelo Estado. Os mais de 26 mil hectares da família não têm atualmente produção agrícola consolidada, já que o projeto consta como em andamento, de acordo com os registros oficiais. Segundo documentos ligados às fazendas, acessíveis no Sistema Estadual de Informações Ambientais e de Recursos Hídricos (Seia) da Bahia, são cerca de 15,7 mil hectares agricultáveis, sendo aproximadamente 10 mil de agricultura irrigada e o restante em regime de sequeiro – que utiliza apenas a água das chuvas. O objetivo da família é produzir especialmente soja, algodão, milho e feijão.
Dois terços das áreas queimadas a cada ano estão em apenas cinco das 19 ecorregiões, indicam os pesquisadores em artigo publicado em outubro no Journal of Environmental Management. As queimadas de maior intensidade, extensão e frequência ocorrem na metade norte do Cerrado. Lá estão quase 90% da vegetação nativa remanescente do bioma e, desde meados dos anos 1980, as principais frentes de expansão agrícola.
Schettino já foi investigado por formação de quadrilha e cartel
Em 1971, o carro da moda era o Opala, da Chevrolet, marca utilizada pela gigante General Motors no Brasil. Uma das empresas responsáveis por transportar os veículos da fábrica da montadora, em São Caetano do Sul (SP), para o Rio de Janeiro e Niterói, era a Transportadora Sinimbu, fundada apenas dois anos antes, no bairro carioca de São Cristóvão.
Os sócios, Fernando Schettino e Francisco Creso, com 23 e 40 anos à época, respectivamente, iniciaram o empreendimento focando no transporte de carnes, mas, logo no início dos anos 1970, passaram a direcionar as atenções para os veículos. O Opala deixou de ser produzido em 1992, muita coisa mudou na indústria automotiva, mas a Sinimbu seguiu crescendo, se consolidando como uma das maiores empresas de logística do país.
Em 1998, passou a ser Axis Sinimbu, após fusão com outros negócios do mesmo ramo, e quatro anos depois se transformou na Tegma, nome que utiliza atualmente. Em 2007, a Tegma fez novas aquisições e passou a negociar ações na Bolsa de Valores de São Paulo.
Atualmente, 48,5% das ações da Tegma estão em circulação, listadas na Bolsa, enquanto três grupos principais controlam 50,6% das demais ações. A Tegma tem mais de 1,7 mil funcionários, distribuídos em 11 estados. Em 2020, ano em que a pandemia prejudicou os resultados financeiros dos negócios ligados ao ramo automotivo, a empresa teve receita bruta de R$ 1,3 bilhão, com lucro líquido de R$ 74 milhões.
Por mais de 15 anos, Schettino e outros executivos do Grupo Tegma enfrentaram processo por formação de quartel e de quadrilha no setor de transporte de veículos, junto com ex-presidentes de associações de classe e executivos do Grupo Sada – incluindo seu dono, o atual prefeito de Betim (MG), Vittorio Medioli (PSD). Segundo o site Livre Concorrência, especializado no tema, o processo já passou por três estados e duas esferas, mas ainda não foi concluído. O site chegou a ser processado por Schettino, que perdeu a ação.
De acordo com a denúncia que está atualmente sob análise, feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São Bernardo do Campo (SP), os acusados, “de forma habitual e em contexto de organização criminosa, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, abusaram do poder econômico, dominando o mercado de serviço de transporte rodoviário de veículos novos, eliminando total ou parcialmente a concorrência mediante o ajuste ou acordo de empresas”. A atual denúncia foi apresentada em julho de 2013 e aceita no mesmo mês.
Na mais recente decisão disponível sobre o processo, a juíza responsável determinou a extinção da punibilidade de vários dos réus, incluindo Fernando Schettino e Vittorio Medioli. A medida deve-se à prescrição da pretensão punitiva, por conta da idade avançada dos executivos.
Além da Tegma e todas as empresas sob seu guarda-chuva, Schettino e seus familiares também têm outros tentáculos no setor de logística e automotivo, entre outros. Mário Sérgio Moreira Franco é fundador e o principal acionista do Grupo Itavema, um dos maiores revendedores de veículos do país. Uma das empresas que fazem parte da Itavema é a Dafra Motos, fabricante brasileira de motocicletas com sede na Zona Franca de Manaus (AM), também controlada pela família. Além da própria Itavema, Schettino já esteve associado a empresas como a Mandarim e a Autman, de locação de veículos, e a Sinimplast, de embalagens plásticas.
Procurado, a secretária de Schettino informou que ele estava em viagem e que encaminharia os questionamentos da Pública. Até a publicação, no entanto, eles não foram respondidos.
Colaborou Bianca Muniz.
Fontes: Agência Pública
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