por Ivan Gayton

Empoderando populações através de tecnologias de ponta e ciência abertas, acessíveis, para todos.


Desde 2017, um consórcio semiformal do HOT – Humanitarian OpenStreetMap Team, OMDTZ -OpenMapDevelopment Tanzania, uma comunidade de mapeamento aberto na África Oriental, Rainbow Sensing, uma consultoria de hidrologia orientada para o desenvolvimento na Holanda e OpenDroneMap, um projeto de software de código aberto e gratuito que possibilita que as pessoas possam produzir dados de alta qualidade a partir de imagens de drones têm trabalhado para desenvolver tecnologia e metodologias apropriadas localmente para monitoramento ambiental, mapeamento e redução de risco de desastres em ambientes de baixa renda.

O lema desta colaboração é Populações Locais, Dispositivos Locais, Conhecimento Aberto. A ideia é que a população local esteja liderando esse trabalho, não apenas participando sob a direção de agências e consultores de países ricos. Assim, as ferramentas devem ser acessíveis às comunidades locais, baseadas principalmente em conhecimento aberto (Softwares livres e de código e dados abertos disponíveis gratuitamente) e usando os dispositivos menos dispendiosos possíveis, idealmente aqueles já presentes e disponíveis em países de baixa renda.

Este consórcio desenvolve drones fabricados localmente, que são empregados em associação a drones de consumo de baixo custo. O consórcio ainda desenvolve receptores (GPS)GNSS de baixo custo, mas de alta precisão, smartphones e uma variedade de ferramentas de software gratuitas e de código aberto.

Reprodução: OpenSkies Fellows

Em novembro de 2021, o líder do projeto de drones OpenSkies Fellows da OMDTZ – OpenMapDevelopment Tanzania e a Rainbow Sensing fizeram um webinar da comunidade HOT discutindo seu trabalho no monitoramento de rios. A Canoa de Tolda, já em contato com a HOT como resultado do projeto MapSãoFrancisco, assistiu a este webinar e entrou em contato para saber se a mesma tecnologia pode ser aplicada em seu cenário.

Ficamos muito animados com a ideia de trazer a tecnologia e as ideias que desenvolvemos na África Oriental para a América Latina. Após vários meses de discussão e reflexão, a HOT conseguiu mobilizar um pequeno orçamento para enviar uma equipe ao Brasil com alguns equipamentos de baixo custo, apoiados pela expertise técnica em hidrologia da Rainbow Sensing e pelos protocolos de mapeamento de campo da OMDTZ, para trabalhar no Rio São Francisco com a Canoa de Tolda. Entre o final de junho e início de julho de 2022 a equipe do HOT foi à Ilha do Ferro, em Alagoas, para conhecer e trabalhar com a organização.

O projeto foi um sucesso espetacular! A equipe de Canoa de Tolda se mostrou incrivelmente experiente, organizada, motivada e habilidosa. A equipe HOT, composta por dois hidrólogos e um gerente de projeto, recebeu de imediato tudo o que precisava e passou 10 dias pilotando drones para criar Modelos Digitais de Terreno (modelos de elevação, essenciais para a dinâmica da água e modelagem de inundações), levantamento do rio, realização de levantamentos batimétricos (profundidade do rio) e – com o apoio da Rainbow Sensing – analisando os dados, até mesmo produzindo estimativas de alta qualidade do volume de vazão de um rio tributário para o São Francisco.

Reprodução: OpenSkies Fellows

A Canoa de Tolda trouxe uma grande novidade para a mesa. Até então, antes deste projeto, nossos levantamentos de batimetria foram realizados com um receptor (GPS)GNSS montado em um poste e operado por um topógrafo dentro do rio com vestimentas à prova d’água. Isso estava fora de questão para um rio do tamanho do São Francisco, o que levou nossa equipe a trazer uma unidade de sonar de consumo (um localizador de peixes!) para medições de profundidade. A intenção seria de opera-la mantendo a mesma na água a partir de um pequeno barco.

No entanto, a Canoa de Tolda teve outras ideias e construiu um pequeno trimarã personalizado de espuma, com a unidade GNSS montada na parte superior e o sonar na parte inferior.

Isso funcionou incrivelmente bem, não apenas permitindo levantamentos de batimetria que seriam difíceis e perigosos de outra forma, mas tornando todo o processo muito mais rápido e eficiente.

Assim, Rainbow, HOT e OMDTZ planejam adaptar este trimarã de volta aos contextos africanos onde trabalhamos; tornando Canoa de Tolda um colaborador valioso (e – esperamos – um eventual membro do nosso consórcio Local People, Local Devices, Open Knowledge).

Foto: Carlos E. Ribeiro Jr./InfoSãoFrancisco

Os dados coletados da viagem de campo de julho são de excelente qualidade: um modelo de terreno digital pequeno, mas robusto, mostrando o perfil de elevação da vila ao longo do rio, vários cortes do fornecendo seções transversais detalhadas do leito do rio e vídeos que (combinados com outros dados) produziram estimativas de volume de fluxo de alta qualidade usando o sistema da Rainbow Sensing OpenRiverCam.

Isso é, claro, apenas o começo; continuaremos processando e analisando os dados, e Canoa de Tolda continuará a coleta de dados na área, além de expandir para as comunidades vizinhas.

Assim, a comunidade ao longo do vale do Rio São Francisco passa a ter capacidade de monitorar, mapear, analisar, quantificar e entender melhor a dinâmica do rio de forma independente. Isso, por sua vez, permite que eles se antecipem e se preparem melhor para desastres como enchentes e secas, bem como advoguem por melhores políticas e gestão do rio ao longo do qual vivem.

Estamos profundamente gratos e honrados pela organização Canoa de Tolda ter nos procurado para participar de sua busca por uma vida saudável e segura ao longo do Rio São Francisco. Esperamos – e acreditamos – que continuaremos a trabalhar juntos para construir um novo relacionamento entre as comunidades locais e os vales dos rios, em que a população local lidere o uso do conhecimento e da tecnologia para uma vida melhor.

Foto: Raimbow Sensing

Ivan Gayton
Conta com mais de 15 anos de experiência na liderança do desenvolvimento e implantação de ponta de mapeamento de código aberto e tecnologias de drones para ajuda humanitária. Ele foi Chefe de Missão, GIS e Assessor Técnico de Médécins Sans Frontières / Médicos Sem Fronteiras em vários países, incluindo Nigéria, Haiti, Líbia e Sudão do Sul. Ivan concebeu e cofundou o projeto Missing Maps em 2014 em resposta ao surto de Ebola na África Ocidental; concebeu e desenvolveu o MapSwipe, um software para classificação de imagens móveis off-line de crowdsourcing (modelo de produção que se usa se conhecimentos coletivos e voluntários ) para mapeamento humanitário. Ele também liderou uma colaboração entre MSF e Google para criar registros médicos eletrônicos em centros de ebola (projectbuendia.org). Ivan continua gerenciando e/ou apoiando um conjunto de iniciativas tecnológicas e de mapeamento comunitário em aproximadamente 10 países como parte da equipe Humanitarian OpenStreetMap e Rainbow Sensing.


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