por Projeto Manuelzão
Documento público publicado pelo Projeto Manuelzão da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais em repúdio ao projeto do Novo Código da Mineração que tramita na Câmara dos Deputados em substituição ao atual.
Proposta se apresenta como um infame muro que se constrói entre a sociedade e seu direito à um meio ambiente sadio e equilibrado
Queremos, através desta carta, alertar a população brasileira para o grande risco que estamos correndo diante do Projeto de Código da Mineração da relatora Greyce Elias (Avante-MG).
Esse projeto, que não foi discutido com a sociedade civil, propõe que a mineração seja entendida como essencial à vida humana e de utilidade pública, facilitando sua prática no país.
Entendemos que o Novo Código da Mineração é bastante problemático, se apresenta como um infame muro que se constrói entre a sociedade e seu direito à um meio ambiente sadio, tendo como maiores pontos de atenção:
- Flexibilização da fiscalização das atividades minerárias pela Agência Nacional de Mineração (ANM), criando uma “aprovação tácita” dos empreendimentos caso a agência não se manifeste em 180 dias;
- Dispensa de licença ambiental para as atividades de pesquisa mineral que sejam genericamente definidas como destituídas de impacto ambiental;
- Limitação do poder de Estados e Municípios de aceitar ou não projetos minerários em seus territórios;
- Impossibilidade de demarcação de Unidades de Conservação, áreas de proteção ambiental, tombamentos e outras demarcações como Terras Indígenas, Comunidades Quilombolas e Assentamentos de Reforma Agrária, que sejam impeditivos à mineração nas regiões visadas pelas empresas;
- Legalização do garimpo, tornando o garimpeiro um Microempreendedor Individual (MEI) e isentando de licença ambiental a concessão da Permissão de Lavra Garimpeira;
- Ausência de punição para mineradoras e garimpeiros, não prevendo a perda do título quando for utilizado trabalho análogo à escravidão, trabalho degradante e/ou trabalho infantil e, outras infrações como sonegação de informações para pagar menos impostos, operação intencional fora da área de concessão e quando não se cumprirem os determinantes ambientais;
- Não aumento da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), um dos únicos impostos pago pelas mineradoras e que é um dos mais baixos entre os países minerários.
Diante disso, vemos que a proposta de mudança do Código reflete apenas os interesses do setor mineral e não agrega as necessidades da sociedade brasileira de proteção dos seus direitos e do meio ambiente. Corrobora com os interesses de empresas transnacionais e seus megaprojetos de mineração, incluindo mineração à céu aberto, que tem afetado diversos territórios na Pampa, no Cerrado, na Amazônia e em diversos países da América Latina, além de garantir a continuidade do garimpo, que já demonstrou ser extremamente danoso para os ecossistemas, para as águas e para a saúde da população. Esses projetos são de MORTE e não de vida.
Não queremos que desastres como os de Brumadinho e de Mariana se propaguem pelo país. Nossos biomas estão em risco, nossa saúde está em risco, os modos de vida de populações tradicionais estão em risco. Deste modo, colocar a mineração como “atividade de utilidade pública, de interesse social, de interesse nacional e essencial à vida humana”, torna-se irresponsável e ilegítimo. Uma forma equivocada de conceber o desenvolvimento.
Os desastres ambientais vividos no país mostram o quanto a mineração é nociva a qualquer forma de produção das condições materiais de vida dos grupos sociais afetados. Devastadora de territórios, memória social, conhecimentos tradicionais e projetos de futuro de comunidades inteiras, compromete água, alimentação, produção, redes de cuidado e processos identitários de diferentes gerações. Sobretudo, retira perspectivas de crianças e jovens, ou seja, das futuras gerações.
Quem defende Megaprojetos de Mineração, não vive nestes territórios, não sente o impacto de morte na sua vida e na vida dos seus. É sabido que impactos sociais e econômicos não são sentidos da mesma forma por todas e todos: a dor dos megaprojetos tem rosto, cor e gênero. A Frente “Elas na Luta contra a Megamineração” vem discutindo, de modo particular, como as mulheres dos diferentes grupos sociais são afetadas por esses projetos de morte. Suas rendas são destituídas, suas famílias deslocadas, seus filhos e filhas veem-se com dificuldades de adaptação escolar, suas autonomias (em todas as esferas do cotidiano) são arrancadas. Isso não lhes têm conferido melhoria de vida. É desumano que o Congresso Nacional venha a compactuar com o discurso posto neste Código.
Não aceitamos esse retrocesso. Há uma trajetória de construção de legislações e normas que, a duras penas, têm tentado estabelecer um conjunto de procedimentos para garantir o mínimo de segurança dos empreendimentos minerários (e outros que possam ter impacto ambiental). Esta nova proposta renega todo este processo. O Estado precisa aperfeiçoar o controle em relação à mineração, e não diminuí-lo.
Utilidade pública é a VIDA, interesse social é a saúde de nossa população, a proteção dos nossos ecossistemas e dos nossos direitos.
ATENÇÃO: Entre em contato com os deputados e as deputadas federais e pergunte se no próximo dia 01/12/2021 eles votarão a favor da vida ou a favor dos interesses de empresas da megamineração. A nossa lida ou a deles? Estamos atentas(os) e em luta!
Assinam esta carta:
Frente Elas na Luta contra a Megamineração na Pampa
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente – APEDeMA-RS
Associação Amigos do Gomeral (AAG)
Associação Terceira Via
Comitê de Combate à Megamineração no RS – CCM
Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade – TEMAS/UFRGS
Sesunipampa – Seção Sindical dos Docentes da Unipampa
EcoLavras Bioma Pampa
Movimento Roessler para Defesa Ambiental
AIPAN – Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural
Instituto Mira-Serra
União Protetora do Ambiente Natural – UPAN
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN
Instituto Econsciencia
Centro de Estudos Ambientais – CEA
DESMA/UFRGS – Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata
Atlântica
Grupo de Pesquisa Tuna: gênero, educação e diferença – Unipampa/CNPq
Curso de Educação do Campo – Unipampa/Campus Dom Pedrito
Amigos da Terra Brasil
Amigos do Meio Ambiente – AMA Guaíba
Instituto Guaicuy
Projeto Manuelzão
São Sepé Sustentável
Fontes: Projeto Manuelzão
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