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Velho Chico sem proteção: IBAMA “atualiza” Licença de Operação da UHE Xingó e reduz vazão para 700 m³/s

Em reunião organizada pela ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico para acompanhamento da situação hidrológica do rio São Francisco, foi anunciada “atualização” da LO – Licença de Operação da UHE Xingó, comprometendo ainda mais o Baixo São Francisco.

Em mais uma reunião (1º. de junho) da Sala de Acompanhamento do Sistema Hídrico do Rio São Francisco – organizada pela ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico e com a participação dos entes da gestão das águas da bacia do Velho Chico – a CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco e o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis anunciaram a “atualização” da LO – Licença de Operação da UHE Xingó.

O ONS – Operador Nacional do Sistema abriu a reunião apresentando sua análise das condições hidrológicas da bacia, suas vinculações com a geração de energia e a relação desses elementos com a situação das bacias nos sul e sudeste do Brasil. Na documentação do ONS constavam os dois modelos de operações da UHE Xingó para os próximos meses com a reincidência da demanda para a redução das descargas da hidrelétrica dos atuais 1.100 m³/s (hum mil e cem metros cúbicos por segundo) para 800 m³/s. Redução que contraria a já apresentada Resolução ANA – 2081/2017 onde a condição do volume de água disponível em Sobradinho acima de 60% define padrão de operação NORMAL, implicando em vazões mínimas de 1.100 m³/s (veja gráfico abaixo).

Alinhar, para entregar

Mais adiante, durante a reunião, indagada a CHESF pela ANA sobre as tratativas junto ao IBAMA relativas às operações da UHE Xingó com vazões reduzidas, respondeu Thiago Aragão (Departamento de Meio Ambiente da empresa) que o IBAMA havia realizado “alteração na LO de Xingó, na condicionante específica que tratava da vazão mínima de 1.300 (m³/s) para que seja obedecido o pré-disposto na Resolução ANA 2081…e que a partir de agora a condicionante específica da LO da UHE Xingó diz que a gente deve obedecer ao disposto na Resolução ANA 2081.” O documento citado não foi apresentado naquele momento.

Pelo IBAMA falou Régis Fontana (DILIC/IBAMA), citando que desde as emissões das Autorizações Especiais (entre 2013 e 2017) teriam sido estabelecidos protocolos ambientais a serem cumpridos pela CHESF em situações de vazões reduzidas.

Prosseguindo, Fontana acrescentou que em 2020 o IBAMA, a partir de parecer jurídico interno, deixou de emitir autorizações especiais que foram substituídas por Ofícios e que na última semana, o órgão realizara “uma retificação da LO da UHE Xingó, da condicionante número 2.19…com defluência mínima de 1.300 m³/s e que agora fala a mesma linguagem…combinando com a redação da Resolução ANA 2081…e que a gente teve a preocupação de colocar não só o que diz a resolução mas eventuais flexibilizações da Resolução ANA 2081 num patamar mínimo de 700 m³/s…” . Assim como a CHESF, o IBAMA também não apresentou o documento para os presentes que não se manifestaram a respeito.

Indo mais além, o representante do IBAMA prosseguiu explicando que “ caso exista no futuro um pedido para que a vazão seja ainda menor do que isso, a gente vai tratar de outra forma, expedir novas determinações à CHESF…e quando houver uma necessidade de uma flexibilização a CHESF deve adotar aquele protocolo de segurança, incluindo os programas ambientais e os monitoramentos enquanto a redução estiver em vigor”.
O ocorrido na reunião de ontem foi evento sinalizador de mais um [alto] risco que ronda a gestão ambiental no Brasil, indicando a piora da precariedade de licenciamentos relacionados à atividades de alto impacto.

A mensagem do IBAMA deixou evidências de que não há qualquer prioridade ambiental com a atuação do órgão, ao menos no caso específico dos impactos das operações de barramento no Baixo São Francisco e sua região costeira. O órgão ambiental máximo brasileiro – com missão primeira de proteção do patrimônio natural da nação – mais uma vez não priorizou a defesa do bem natural chamado rio São Francisco: sem dificuldades o IBAMA emitiu regras que se “alinham” a uma polêmica resolução normativa ANA. Trata-se da Resolução ANA 2081/2017 onde não são presentes componentes ambientais e voltada clara e unicamente para atendimento ao setor elétrico que, no caso do São Francisco, há anos tinha como meta operar vazões mínimas da ordem de 700 m³/s. Objetivo atingido.

A legalização da destruição

Em busca de mais informações sobre o processo que levou à modificação extrema da LO da UHE Xingó, o INFOSÃOFRANCISCO encaminhou (na noite de 1º. de junho) pelo sistema FalaBR (antigo E-Sic) demandas à CHESF e ao IBAMA para a apresentação da LO da UHE Xingó atualizada e do processo administrativo que produziu o documento.

O pedido foi atendido pelo IBAMA na manhã do dia 2, possibilitando acesso ao processo administrativo que gerou a normativa Retificação da LO – Licença de Operação Nº 147/2001 – 3ª RETIFICAÇÃO – 2ª RENOVAÇÃO da UHE Xingó.

A documentação emitida pelo IBAMA relacionada à LO – Licença de Operação da UHE Xingó

1- O Despacho nº 10048499/2021-CGTEF/DILIC de 27 de maio de 2021

2- O Parecer Técnico referente a acompanhamento de LO nº 10042591/2021-CGTEF/DILIC, de 26 de maio de 2021;

3- O Despacho Despacho nº 10049820/2021-DILIC de 27 de maio de 2021;

4- E a publicação da LICENÇA DE OPERAÇÃO Nº 147/2001 – 3ª RETIFICAÇÃO – 2ª RENOVAÇÃO, de 28 de maio de 2021.

Veja aqui a LO da UHE Xingó antes da atualização

Os donos das águas

Com a mudança mais significativa na LO da UHE Xingó ocorrida desde o início das operações da hidrelétrica temos, finalmente, a consagração da posse absoluta das águas do rio – e, consequentemente, do destino de todos os ecossistemas aquáticos e terrestres dependentes, zona costeira da foz, além das populações humanas ribeirinhas – nas mãos do setor elétrico.

É importante realçar o fato de que o CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ao suprimir de seu original Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco de 2004 a vazão mínima de 1.300 m³/s na atualização do documento, em 2016, criou uma terrível situação de total vulnerabilidade para o rio São Francisco normalizando, de fato, a prática de um sistema predatório suicida e letal a partir das operações da UHE Xingó sobrepostas à regularização da UHE Sobradinho.

Solicitado a fornecer o processo administrativo que gerou a supressão da restrição de 1.300 m³/s o CBHSF respondeu através do ofício que pode ser lido ou descarregado abaixo.

Veja o OFÍCIO SEC CBHSF nº 10 /2021

Reprodução: CBHSF.


A situação criada a partir da alteração da LO da UHE Xingó diz respeito a todos os demais rios brasileiros, a começar por aqueles de domínio da União (onde o IBAMA é o órgão licenciador) que, já tendo ou sendo objeto de intervenções como os inúmeros barramentos em toda a bacia do São Francisco (UHEs – Usinas Hidro Elétricas e PCHs – Pequenas Centrais Hidro Elétricas), encontram-se ainda mais vulneráveis à um sistema onde, contando com uma fraca gestão, o licenciamento ambiental é submisso ao setor elétrico.

A atuação do IBAMA no São Francisco (agregando o caso em curso da UHE Formoso no Alto São Francisco) é um exemplo terrível que, podemos acreditar, não será desprovido de reverberações similares em instâncias de licenciamentos nos diversos estados.

São Francisco desprotegido

A movimentação do setor elétrico e dos licenciadores ocorre quando, no Baixo São Francisco, milhares de pessoas têm a imposição de vidas em um meio ambiente sem qualidade, com águas e peixes contaminados (o recente relatório preliminar da UFAL – Universidade Federal de Alagoas sobre a situação das águas e ecossistemas a juzante de Xingó são a base científica para a afirmação); acesso precário à água para seus cotidianos; infestação das águas por organismos invasores diversos como algas, vegetação, moluscos, coliformes; salinidade elevada na região da foz; perda definitiva de biodiversidade de ecossistemas aquáticos.

Veja/descarregue abaixo o mini relatório preliminar da UFAL sobre o quadro ambiental no Baixo São Francisco

Além do fracasso da gestão do território, se avoluma, sem discussão em rumo a soluções, o imenso passivo dos quarenta anos de regularização (com a construção da UHE Sobradinho, ao final da década de 1970), sobreposto aos impactos provocados pelas operações com pulsos horários ao longo do dia da UHE Xingó e todas as demais intervenções, como a transposição das águas do Velho Chico para o nordeste setentrional.

Reprodução de gráfico: SNIRH.

No gráfico acima, onde estão representadas as vazões (e as predatórias oscilações) da UHE Xingó ao longo de uma semana (28 de maio/03 de junho), a precisa variação (entre 1.380 – e frações – m³/s e 765 – e frações – m³/s) comprovam documentalmente a destruição imposta a ecossistemas e populações humanas ao longo do Baixo São Francisco.

A propagada revitalização da bacia do São Francisco, moeda podre empurrada junto com a transposição igualmente não aconteceu e, pelo que podemos observar e concluir, está fora de qualquer pauta regional (municípios e estados da bacias quietos) ou nacional (instâncias federais idem).

Sem restrições de operações de barramentos que garantam condições minimamente dignas de manutenção de vida dentro e fora d’água, temos um São Francisco oficialmente, de fato, não protegido pelo IBAMA e sua LO atualizada da UHE Xingó.

Insistamos: o problema do São Francisco, é o problema dos demais rios brasileiros. O vice-versa se aplica, naturalmente.

As populações ribeirinhas ao longo do Baixo São Francisco, sem suporte dos municípios, dos estados de Sergipe e Alagoas e dos Ministérios Públicos estaduais e federais se encontram, sem qualquer dúvida, entregues à própria sorte onde um futuro que possa assegurar sobrevivência digna é sem qualquer garantia para as atuais e futuras gerações.

O artigo não expressa, necessariamente, a opinião do INFOSÃOFRANCISCO.


Fontes

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico

CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis



Sobre o autor

Carlos Eduardo Ribeiro Junior

Co-criador do InfoSãoFrancisco e coordenador do projeto.