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UHE Xingó, a predatória: em algumas horas, vazão reduzida em mais de 1.000 m³/s

Em algumas horas, sem aviso prévio, vazões da UHE Xingó são reduzidas em mais de 1.000 m³/s, provocando situações indesejáveis e comprovando a inexistência de componente ambiental de fato nas operações do barramento: nenhum sistema fluvial natural é capaz de suportar incólume ciclos tão violentos com variações de vazões em tamanha quantidade e com amplitude tão extrema.

Na maior variação de vazão dos últimos dias no Baixo São Francisco, mais um exemplo das chamadas operações moduladas (o grifo é nosso) da UHE Xingó, que não são objeto de qualquer controle de órgãos licenciadores e reguladores ficando claro que o setor elétrico impõe com toda a tranquilidade seu desenho do ente que se chama, ainda, rio São Francisco.

No último sábado, 12 de dezembro de 2020, às 00:00 hs na estação de observação da dinâmica fluvial da Reserva Mato da Onça onde é feito o acompanhamento das vazões da UHE Xingó, acessando os dados do SNIRH – Sistema Nacional de Informações de Recursos Hídricos, foi possível colher a informação da defluência do barramento naquele momento: exatos 2.854,88 m³/s (dois mil oitocentos e cinquenta e quatro, vírgula oitenta e oito metros cúbicos por segundo).

Trata-se de uma faixa normal para as vazões regularizadas desde o início das operações da UHE Sobradinho, que estabeleceu o patamar de 2.060 m³/s. Não é cheia, apesar de informações inadequadas divulgas por diversos canais.

Nota: com as operações da UHE Xingó, onde cada uma das seis máquinas turbina cerca de 500 m³/s, passamos a ter as grandes e danosas variações de defluência no Baixo São Francisco.

A vazão da UHE Xingó às 00:00 hs do dia 12 passado. Reprodução: ANA/SNIRH

Porém, já às duas da manhã, a curva negativou e o barramento operava com 2.540,8 m³, uma grande diferença em poucas horas. Às quatorze, a vazão permanecia em redução, com o valor de 1.806,16 m³/s. Após uma pequena estabilização a vazão mínima do período chegaria a 1.694,34 m³/s às 18:00 do dia 12.
Assim opera, há vários anos, a UHE Xingó (1993/94), promovendo a sobreposição de seu passivo socioambiental ao conjunto já bem consolidado de saldo negativo das operações da UHE Sobradinho e sucessivos empreendimentos desde 1979/80 (veja Sobradinho +40 – A desintegração do rio da integração).

A vazão da UHE Xingó às 14:00 hs do dia 12 passado. Reprodução: ANA/SNIRH

Além dos inúmeros problemas de convívio de populações espalhadas pelas margens com um rio que não se comporta como um rio, fica evidente a inexistência de um rigoroso limite para as faixas de operação que são intoleráveis para o meio ambiente, que não para de se degradar há anos (sendo esse mais um efeito de usos e ocupações predatórios de toda a bacia do Velho Chico): são estipuladas vazões mínimas de operação para a UHE Xingó (que ainda opera com a Autorização Especial IBAMA 012/2017 permitindo a vazão mínima de 550 m³/s) sem que sejam conhecidas restrições precisas para as máximas e mínimas das vazões médias (o grifo é nosso).

Observando uma amostra do hidrograma dos últimos trinta dias, com as variações das vazões, é inquestionável que o rio, seus ecossistemas, populações ribeirinhas permanecem, reconhecidamente, elementos ausentes das condicionantes, regras e restrições para a operação do barramento.

O hidrograma das operações de Xingó nos últimos trinta dias. Nos cabe provar óbvios efeitos de tal operação? Qual o rio natural, saudável, com semelhante configuração de fluxo de suas águas? Gráfico: ANA/SNIRH

A questão das variações de vazão provocadas pelas operações da UHE Xingó é ausente na mídia que prefere dar vivas à uma “fake cheia”, não explicando a grande diferença entre a água turbinada, inadequada para o serviço ambiental, posto que o objetivo de sua liberação é apenas a produção de energia, e água liberada, em fluxo contínuo, para o serviço ambiental, melhoria da qualidade do líquido, manutenção do acesso ao mesmo pelas populações difusas, recuperação da paisagem, dentre inúmeros pontos.

Nota: é evidente que a vazão na faixa atual, mesmo turbinada, é algo menos ruim do que defluências menores. Porém, repetindo de forma insistente, deve ficar claro que temos quarenta anos de regularização a partir da UHE Sobradinho, a construção das demais UHEs dentre as quais Xingó (1993/94), com a soma e sobreposição de todos os impactos. Quando Xingó começou a operar o rio já estava profundamente alterado e as vazões anteriores a 2013 não espelham qualquer normalidade.

Se há algum vislumbre de discussão sobre recuperação do São Francisco – sendo como o rio deve chegar ao mar é o ponto básico – há que se modificar, sem dúvida, as operações da derradeira e talvez a mais danosa, para o Baixo São Francisco, das grandes barragens. Sem uma radical e necessária modificação de tal sistema predatório (que não é exclusivo da bacia do São Francisco), que também significa uma igualmente radical mudança nos chamados “padrões de consumo de recursos naturais” não há futuro não só para  Velho Chico mas também para os demais rios brasileiros que padecem sob o controle do setor elétrico.

O espaço neste sítio está disponível para esclarecimentos por parte de órgãos e entidades citados.

AUTORIZAÇÃO DE VAZÃO DE 550 M³/S AINDA EM VIGOR

Sob o silêncio de todos os entes da gestão, municípios, estados e da sociedade do Baixo São Francisco, Xingó segue operando com a Autorização Especial 012/2017 que permite a vazão mínima de 550 m³/s..

A manutenção ad eternum da autorização, quando a ANA define e estação como normal, é um precedente extremamente danoso para com o já precário processo de licenciamento de operações de barramentos, colocando em risco, pela temerária situação, não apenas o São Francisco, mas todos os demais rios brasileiros que tenham barramentos em suas bacias.

ATÉ QUE CAIA

Em 13 de dezembro de 2019 foi publicada a matéria 550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco. Desde aquela data não são conhecidas, até o momento, disposições e/ou ações que levem ao cancelamento da Autorização Especial IBAMA 012/2017 e necessárias responsabilizações.

Temos, então, que a UHE Xingó permanece operando com a acima citada Autorização Especial 012/2017, sem qualquer reação, inclusive por parte dos entes do sistema de gestão que, naturalmente, não são desconhecedores da situação.

Os efeitos danosos se acumulam ao passivo já considerável de exatos quarenta anos de regularização desde a entrada em operação de Sobradinho (1979/80).

Para que esse caso não caia no esquecimento, na normalidade cotidiana, será mantida a republicação desta denúncia agregada à cada nova notícia, ininterruptamente, até que seja conhecida reação que conduza ao cancelamento/revogação desta licença que equivale a mais um desastroso passo rumo ao fim do rio São Francisco.


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Fontes

CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico


Imagem em destaque -Montagem sobre imagens de divulgação. Canoa de Tolda/InfoSãoFrancisco