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Sobradinho atinge 60 % de seu volume, mas sem perspectiva de maior vazão no Baixo

Reservatório de Sobradinho atinge nível de operações normais, porém com imposições restritivas de operações impostas pelo setor elétrico através de dispositivos que consolidam o domínio da água, dificilmente o Baixo verá, em curto prazo, vazões estáveis, por período longo, acima de 1300 m³/s

Ontem, 17 de março, o reservatório de Sobradinho atingiu a marca de 60,35% de sua capacidade, entrando na classificação normal (de acordo com a Resolução 2017/81 da ANA – Agência Nacional de Águas, que ignora a vazão mínima de 1.300 m³/s – hum mil e trezentos metros cúbicos por segundo – estabelecida pelo Plano da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco) como previsto há alguns dias em razão das chuvas no alto São Francisco.

No gráfico da Sala de Situação da ANA, as comparações de volume para 17 de março de vários anos. Gráfico | ANA

Em contrapartida, com pode ser visto nos gráficos fornecidos pela própria ANA, as vazões nos últimos dias foram extremamente baixas, como a imagem abaixo, produzida pela Estação Propriá.

Sem as estações da UHE Xingó emitindo as vazões, a única estação ativa, de fato no Baixo é a de Propriá, que sofre influências de outros aportes. Gráfico | ANA

O que poderia ser considerado inicialmente como uma perspectiva de retomada de padrões de vazões similares ao que se tinha antes de 2013 deve ser observado, objetivamente, sob a ótica devastadora do sistema operacional imposto pelo setor elétrico. Que seja usada até a derradeira gota de água para a garantia da chamada “segurança hídrica” que, de modo suicida, terá em sua contabilidade, não há dúvida, a desintegração do chamado rio da integração nacional. Levando junto, evidentemente, populações humanas e seus patrimônios culturais relacionados ao Velho Chico, além do patrimônio natural da bacia: o rio em si e seus
ecossistemas aquáticos e terrestres.

É água nova chegando!…Será?

Nos últimos dias, uma onda de manifestações eufóricas em redes sociais, talvez ingênuas, se alastrou pela região celebrando a chegada de águas novas para o rio de baixo. A movimentação criou, rapidamente, um alento coletivo de que, enfim, a bagaceira ( a denominação popular para as terríveis algas verdes e plantas aquáticas que se expandem sem limites) seria afetada em se avanço, de que o peixe apareceria, de que as croas seriam dissolvidas, de que as margens ficariam limpas, de que haveria água para o simples beber… Os vídeos das águas espumando forte pelos vertedouros de Três Marias fizeram sucesso, sem dúvida.

Rio como antes de 2013, algo distante, longe, longe

No entanto, com os pés no chão (o que é hoje o leito secado do rio, senão um chão seco, brejoso na linha limite do espelho d’água, feio, fedorento), há que se considerar que os mecanismos estabelecidos pelo setor elétrico (com entrada em vigor da Resolução 2081/2017 da ANA – Agência Nacional de Águas) a visão de vazões no Baixo da ordem dos cerca de 2.000 m³/s torna-se cada vez mais algo longínquo, dentro de uma normalidade de operações de barramentos.

Ainda na data de hoje, no boletim Sala de Situação/ANA de 18.03.2020 mantém regras de fevereiro e não altera a faixa de operação de Sobradinho. Fonte ANA

Talvez, em algum momento, em caso de evento extremo: o que poderíamos chamar de Resolução dos 700 (uma alusão à vazão mínima objeto de desejo alcançado pelo setor elétrico) determina uma legalizada e permanente “Lei Seca” para o Baixo que amargurará a piora do passivo socioambiental acumulado desde a implantação de Sobradinho.

Vamos lembrar que a Resolução 2081/2017 foi gestada com a aquiescência dos entes gestores das águas do São Francisco e pelos estados da bacia (veja o Ofício Circular no 3/2019/AH-NM-ANA que estabelece a entrada em vigor das novas regras, em 30 de abril de 2019) dentre os quais, Sergipe e Alagoas, os mais afetados pelo padrão de vazões mínimas.

Pandemia do coronavirus e água insuficiente, de má qualidade

Finalmente, há que se atentar que no início de uma gravíssima crise mundial de saúde coletiva sem precedentes, como a pandemia do novo coronavirus, onde o acesso à água de qualidade (e em quantidade)  temos que é situação fundamental para minimizar os efeitos devastadores que se anunciam (sobretudo para as populações difusas ao longo das margens, que continuam sem ter água adequada para seus cotidianos). No entanto, surpreende que o prosseguimento de vazões insuficientes para os padrões adequados de um Baixo São Francisco saudável, não seja objeto de pauta dos chamados gestores do SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos: um tema emergencial não citado e endossado pelos silenciosos estados e municípios da região.

Até que caia

Em 13 de dezembro de 2019 foi publicada a matéria 550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco. Desde aquela data não são conhecidas, até o momento, disposições e/ou ações que levem ao cancelamento da Autorização Especial IBAMA 012/2017 e necessárias responsabilizações.

Os efeitos danosos se acumulam ao passivo já considerável de exatos quarenta anos de regularização desde a entrada em operação de Sobradinho (1979/80).

Para que esse caso não caia no esquecimento, na normalidade cotidiana, insistiremos nesse tema, ininterruptamente, até que seja conhecida reação que conduza ao cancelamento/revogação desta licença que equivale a mais um desastroso passo rumo ao fim do rio São Francisco.


Veja ainda

ÁGUA DOMINADA: 700 M³/S, VAZÃO META DO SETOR ELÉTRICO

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Boletim Sala de Situação ANA | 18.03.2020


Fontes

ASCOM/ANA – Agência Nacional de Águas


◊ Imagem em destaque – Canoa de Tolda / Rede InfoSãoFrancisco