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Catamarãs elétricos: uma alternativa para um transporte mais limpo no Baixo São Francisco

Buscando embarcações mais limpas, silenciosas, estão sendo desenvolvidos projetos barcos utilitários elétricos e a vela que podem contribuir não só para a superação da navegação obsoleta no Baixo São Francisco, mas também para a melhoria ambiental e uma possível recuperação da navegação regular.


Um rio que não está para barco

Um rápida consideração: a intensa navegação regular fluvial (do final do séc. XIX até a década de 1970 o Baixo São Francisco contava com navegação fluvial de longo curso – entre Penedo e Piranhas – articulada com a cabotagem a partir do porto de Penedo) no Baixo São Francisco que foi extinta, sendo hoje restrita à uma intensa navegação difusa apoiada em embarcações de menor porte providas sistemas de motorização/propulsão convencionais (gasolina e óleo diesel).

A navegação ainda é essencial no Baixo São Francisco, mesmo com a situação precária das condições de navegabilidade, agravadas a partir da regularização abaixo de 1.300 m³/s (taxa mínima determinada pelo Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco) desde o início de 2013. Há ainda o fator de imposição de políticas públicas, mesmos regionais, onde se cultiva o conceito “é muito melhor levar o povo de carro pelas rodagens do que ficar aí, se acabando numa viagem de barco…”

Observando com mais detalhes, o modelo atual da atividade (conceitos das embarcações, processos construtivos, formas de operação, motorizações e propulsões) não é favorável. A questão é diretamente relacionada com os usos e ocupações da bacia (navegação é uso e ocupação da água), que devem ser prioritária e urgentemente resolvidos como base de uma revitalização efetiva. As margens do Baixo São Francisco hoje, são hostis ao transporte aquaviário regular, como deveria, de fato, ser praticado. Instalações mínimas de embarque e desembarque (com raras exceções e a maioria voltada para o turismo, deixando em derradeiro plano as pessoas locais) precárias, falta de fiscalização nas linhas de travessias existentes, embarcações inadequadas, são alguns dos matizes que não favorecem o potencial abandonado do rio com a principal via de acesso de toda a região.

Neste quadro, há que se considerar, evidentemente, que a recuperação da navegabilidade na Bacia, não só no Baixo, deve ser um dos objetivos desejados.

Por outro lado, a navegação deve evoluir, inadiavelmente, para modelo de impacto mínimo ou nenhum sobre o meio ambiente aquático e do entorno dos cursos d’água da bacia do São Francisco.

Portanto, há que se repensar seriamente em um novo modelo de navegação, sobretudo a partir de equipamentos muito menos impactantes para o meio ambiente, efetivamente mais eficientes.

O catamarã UtiliCat E8

A popular e poluente “rabeta” não contribui para a navegação amigável no rio. Imagem | Canoa de Tolda

Buscando alternativas simples e coerentes com a convivência adequada com o rio, a Canoa de Tolda, em cooperação com os escritórios Fazanelli Migueis e Ygara Multicascos, respectivamente especializados em embarcações elétricas e multicascos, vem estudando o desenvolvimento de projetos de embarcações utilitárias eficientes propulsadas por motores elétricos, a vela, ou ainda com uma combinação entre ambos (sol e vento são abundantes no Baixo). Os projetos seguem o conceito de processos/técnicas construtivos a partir de materiais renováveis, sem desperdícios, buscando segurança, longevidade e menor custo para as embarcações.

A concepção dos projetos levam também em consideração a questão lamentável da perda, pelas gerações mais recentes, e por diversas razões que não discutiremos neste momento, dos conhecimentos da navegação com propulsão a vela e humana (remos, varas, etc.). Há pouco menos de vinte anos atrás, ainda sem o domínio da navegação motorizada, nos diversos povoados e localidades, praticamente todos os moradores, de ambos os sexos e dos mais jovens, crianças aos mais velhos, iam “ali pra riba” ou “de rio abaixo” em botes a vela, sem qualquer problema. Hoje, são técnicas perdidas.

Um dos objetivos deste programa, com o convencimento de usuários e da comunidade barqueira, é a gradativa substituição das chamadas «rabetas» (sistemas de motores estacionários quatro tempos com linha de eixo, hélice), motores diesel de menor porte e mesmo motores de popa de geração mais antiga, com combustão carburada. No caso das «rabetas», temos a base de uma navegação difusa com grande número de pequenas embarcações trafegando como transporte individual, uma vez que as linhas regulares, com exceção das principais travessias, praticamente desapareceram.

Atualmente, o projeto mais adiantado, é o do UtiliCat-E8, pequeno catamarã elétrico de uso geral, com oito metros de comprimento que, além de demonstrador do conceito, será utilizado nas atividades da Reserva Mato da Onça. Suas baterias poderão ser carregadas em qualquer rede convencional em terra, e contarão com painéis solares em sua capota como incremento de capacidade de carga durante operações diurnas e paradas.

O catamarã UtiliCat E8 pode ser empregado na fiscalização e monitoramento ambiental, coleta de lixo sólido flutuante, pesquisa, travessias e turismo, transporte escolar, serviços de atendimentos vinculados à saúde coletiva, para citar os usos mais correntes, não só no Baixo, mas também em outras regiões da bacia.

O catamarã elétrico UtiliCat E8 pode ser uma alternativa interessante para usos diversos. Imagem conceitual | Ygara Multicascos

A construção do catamarã é idealizada em composto madeira (compensado naval) e resina epóxi, modulada, permitindo uma estrutura de fácil realização, sólida, de longa duração e baixo peso (condição essencial para a eficiência da motorização elétrica).

O UtiliCat E8 ainda está no estado de projeto aguardando a captação de recursos para a construção de protótipos e demonstradores.

Em paralelo, também estamos estudando embarcações cargueiras a vela (e com motorização elétrica auxiliar) com o objetivo de reativação da navegação de longo curso no Baixo São Francisco.

O fato de que temos hoje condições comprovadamente inaceitáveis de navegabilidade entre o sertão e a foz não nos desestimula, em absoluto, a vislumbrar o Baixo novamente navegável. Tudo passa por uma mudança também inadiável no modelo de operações de barramentos que podem (e devem) recuperar o canal fluvial original a partir de vazões ambientais para tal serviço.

Mudanças que estão diretamente ligadas à sobrevivência do São Francisco como um rio de fato, um ente vivo, e não apenas um mero canal com água transformada em bem econômico, os recursos hídricos, formato que não atende à uma perspectiva de bom futuro para estas populações.

Sobre o autor

Carlos Eduardo Ribeiro Junior

Co-criador do InfoSãoFrancisco e coordenador do projeto.