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Entrevista: “Cartografia colaborativa é mais barata, mais precisa e mais flexível”

 
Composição sobre foto arquivo T. Jean/imagem OpenStreet Map
Composição sobre foto arquivo T. Jean/imagem OpenStreet Map

por Geocracia

Entrevista: Thierry Jean

Co-fundador e presidente do Instituto AddressForAll, base de dados colaborativa, aberta e gratuita que pretende ajudar a localizar endereços, Thierry Jean, é um entusiasta da luta pela construção colaborativa de dados geoespaciais referentes a endereços. E, nessa entrevista ao Geocracia, ele defende que a melhor forma de fazer isso é por meio de plataformas como o AddressForAll e o OpenStreetMap.


Em junho de 2021, comemoram-se os 20 anos do lançamento da Keyhole, que, mais tarde, viraria o Google Earth. Quão revolucionário foi o lançamento dessa ferramenta?

Em 2004 quando eu era diretor no Apontador, a startup de mapas pioneira no Brasil, o saudoso Sylvio Ribeiro, hoje falecido e que foi um dos nossos mentores, nos fez uma apresentação do Keyhole e simulou, na frente de uma equipe de jovens nerds boquiabertos, uma aterrisagem no aeroporto Santos Dumont como se estivéssemos todos no avião. Nossa surpresa de ver esta demonstração ilustra a mudança tecnológica que foi o Google Earth, junto com o Google Maps, para nosso planeta azul que, de grande, começou a se tornar pequeno, já que estas ferramentas nos permitem visitar o mundo e olhar os seus rincões sentados na nossa cadeira. O Google tinha notado que 25% de suas buscas eram relacionadas a locais. Comprar o Keyhole, em outubro de 2004, e lançar o Google Maps foram movimentos estratégicos muito acertados.

Como atua o OpenStreetMap e por que ele é diferente de outras plataformas que fornecem o dado de forma gratuita aos usuários?

O Google Maps é gratuito para o usuário final, mas caríssimo para o corporativo. O OpenStreetMap é um mapa colaborativo?editado por voluntários, à imagem do Wikipedia. Qualquer um pode se logar e desenhar a sua casa, o vilarejo dos avós ou melhorar detalhes do Maracanã. Este dado é gratuito e pode ser baixado e utilizado, inclusive comercialmente, o que permite a milhares de empresas e governos utilizar o dado sem ter que pagar por ele. O projeto nasceu em 2004, em Londres. Hoje, somos?quase 8 milhões de pessoas cadastradas e editando o mapa. As tecnologias utilizadas são todas abertas e existe um ecossistema de soluções muito rico à volta do OpenStreetMap. Essas soluções vão de algoritmos de roteirização a um repositório de imagens feitas por drones, passando por um aplicativo que permite fazer imagens de ruas a partir do seu celular (Mapillary). Se o projeto nasceu entre pessoas físicas apaixonadas, ele também atraiu muitas empresas que colaboram ativamente com editores pagos. É interessante notar que grandes corporações frequentemente concorrentes entre si, como Amazon, Microsoft, Apple e Facebook, acabam colaborando para melhorar o OpenStreetMap, fazendo frente, juntos, ao Google.?

Qual é o futuro da cartografia colaborativa e como o poder público pode se aproveitar dessas informações?

A cartografia colaborativa tem a vantagem de ser mais barata, mais precisa e mais flexível. Mais barata, é óbvio; mais precisa porque, se um apaixonado decide deixar o mapa do seu bairro lindo, ele consegue isso com um grau de precisão inigualável; mais flexível porque, se uma mineradora, por exemplo, precisa de um mapa das instalações para seu software logístico, pedir para o Google mudar vai ser difícil, enquanto a edição no OpenStreetMap pode ser feita em poucas horas por um estagiário da equipe. Por exemplo, a Polícia Militar de Santa Catarina passou a monitorar suas viaturas no OpenStreetMap, e os policiais se maravilharam por poderem eles mesmos atualizar o mapa. Muitos governos brasileiros e do mundo utilizam o OpenStreetMap?

Qual a finalidade do AddressForAll? Como a ausência de endereço ainda é um problema no século 21?

Associar um endereço postal a um ponto no mapa e associar um ponto no mapa a um endereço postal são grandes desafios para bombeiros, ambulâncias, empresas de logística e outros. Não saber onde está um endereço pode custar tempo, vidas, combustível ou retrabalho, no caso de erros nas entregas – particularmente no século 21, quando vemos a explosão das entregas em domicílios. Notei que o que impedia empresas e governos de utilizar mais o OpenStreetMap era a carência de endereços na base da América Latina. Inspirados no exemplo francês, criamos o projeto AddressForAll, que mantém uma base de endereços georreferenciados (posicionados no mapa) aberta e gratuita para todos. Temos uma equipe que liga para municípios, concessionárias e governos de seis países da América Latina pedindo dados abertos de endereços. Fazemos também um trabalho de evangelização em defesa dos dados abertos, ensinando os municípios a adotar a licença CC0 de domínio público para seus dados. Depois, tratamos esses dados, que podem ser baixados gratuitamente em nosso site.?Convidamos todos a participar desse esforço. Nosso foco é a colaboração. Empresas de água, energia e municípios não têm tempo gerencial para tentar explorar os benefícios potenciais da colaboração conjunta. Queremos cuidar dessa colaboração para eles, para o benefício de todos.


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Fontes

Geocracia


Imagem em destaque: acervo Tatiana Pará