Postado emNotícias / Cultura

Marino da Sonhadora: cultura e meio ambiente embarcados numa mesma canoa

por InfoSãoFrancisco

A cultura, história e meio ambiente do Baixo São Francisco são temas que estão a bordo da canoa Sonhadora do canoeiro Marino, cujas aventuras são contadas no livro em quadrinhos lançado hoje da Butantã Gibicon em São Paulo.


Marino da Sonhadora é mais uma iniciativa cultural no segmento de mídia impressa (como foram os dois anos de publicação do bem sucedido jornal A Margem) da Canoa de Tolda – Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco, entidade que desde 1998 atua no trecho baixo do rio São Francisco, em Sergipe e Alagoas em causas socioambientais e de direitos humanos.

O primeiro álbum Marino da Sonhadora – É Canoeiro! inaugura o selo Edições da Canoa voltado para publicações culturais, educacionais e científicas da organização tendo como referência o território da bacia hidrográfica do rio São Francisco.

As histórias do canoeiro Marino abrangem episódios de sua vida, da juventude à sua velhice, a partir de relatos colhidos nas margens do Velho Chico incluindo inúmeras entrevistas com o próprio canoeiro, e serão apresentadas em uma coletânea iniciada com esse primeiro volume lançado hoje no Butantã Gibicon (um dos principais eventos no Brasil voltado para o mundo dos quadrinhos) com preço promocional da ocasião.

Reprodução: Edições da Canoa

O projeto

Como explicam os autores, contar as histórias do grande canoeiro em quadrinhos foi uma forma escolhida para falar de uma região desconhecida da maior parte dos brasileiros. Quando o canoeiro Marino da Sonhadora relata suas aventuras, fala das gentes do Baixo São Francisco, seus modos de vida, sua rica cultura e suas histórias sobretudo aquelas das populações mais invisíveis.

Reprodução: Edições da Canoa

A publicação em quadrinhos foi idealizada para permitir o alcance a praticamente todas as faixas etárias, numa tentativa de promover o incentivo ao gosto pela leitura.

Um dos pontos importantes do projeto é a promoção de maior acessibilidade ao livro. Por tal razão está prevista a doação de exemplares da publicação para as bibliotecas públicas dos municípios ribeirinhos em Alagoas e Sergipe. Também há a perspectiva de contemplar as bibliotecas públicas de cidades específicas na Bahia (Barra, Barreiras, Bom Jesus da Lapa, Xique-Xique, Santa Maria da Vitória, Juazeiro) e Pernambuco (Petrolina e Petrolândia) que foram significativamente influenciadas pelas navegações dos canoeiros sergipanos e alagoanos entre os anos quarenta e sessenta do século vinte.

O mundo do Marino da Sonhadora

As histórias do canoeiro se desenrolam inicialmente no Baixo São Francisco, em Sergipe e Alagoas, porém, podem ocorrer em outros lugares.

Marino era canoeiro da margem, mas também aventureiro, assim como seu pai, que não negava um embarque para outros portos, seja onde fossem. A vontade de conhecer o mundo, navegar por outras águas era grande desde menino.

Reprodução: Edições da Canoa

Assim, não seria algo extraordinário esbarrarmos com o Marino e seu companheiro de sempre, Cascabulho, em um porto em Barreiras, no alto rio Grande, ou ainda em Caiena, na Guiana Francesa ou a bordo de um saveiro de vela de içar no rio Paraguaçu, no Recôncavo Baiano. Por sinal, Cascabulho era baiano e sua chegada ao Baixo São Francisco é uma outra história.

Quem é o Marino da Sonhadora

As informações sobre Marino nos trazem de forma precisa sua auto qualificação: homem liberto. Canoeiro de barra a barra, filho, neto e bisneto de mães e filhas de santo, pelo lado materno. Corpo fechado, protegido de Oxum e também de cangaceiro famoso, aventureiro, dominava artes marciais (“uma arte que mestre Wu me passou, Vin Tsun Kuen”, explicou), bom na faca, mas cabra de paz, viajante (“andejo”, preferia), desenhista, namorador de muitas paixões beiradeiras, sertanejas, praieiras, costeiras.

Foi, também, um grande contador de histórias. Desde menino era muito sonhador, de sonhar acordado, debaixo do sol da caatinga, ou à sombra dos coqueiros da praia, na boca do rio: “esse menino sonha até em pé, andando, fica longe, nim outro mundo que dirá dormindo – mãe Dita se ria toda”, contou o homem.

Reprodução: Edições da Canoa

” Ter canoa, navegar em popa de canoa, mesmo sendo um vergueiro, um proeiro, era uma vida liberta, de gente dona de seu tempo, de seu querer. Canoeiro não era qualidade de gente cativa. E, meu filho, pense num rapazote, com seus vinte e poucos anos, dono de canoa – eu era o canoeiro mais novo nessa margem – solto, experto todo, ganhava seus dinheiros, bastante pra viver direito, folgado, tinha suas cabocas, as namoradas pelos portos, da praia até o sertão, ficava ancho. Apois, meu irmão, agora pense. Não vou dizer que era vida fácil, era rojão, mas era boa. Acho que peguei isso de meu pai, marinheiro de muitos mares do mundo, o homem andou por aí e veio bater aqui um dia, e cruzou com o rumo de minha mãe, outra criatura liberta. Vá saber, quem sabe? Marinheiro é qualidade de raça andeja, assim como a nação da finada minha mãe, Janaína, de minha voinha Viana.”

Dessas inesquecíveis conversas com o velho Marino, segundo os autores, surgiu a ideia, a inadiável necessidade de contar episódios da vida do Marino da Sonhadora: as histórias do homem estão enredadas de forma profunda em um período temporal do Baixo São Francisco que, mesmo não tão distante, é pouco falado. Ficou clara a importância da preservação e transmissão dos registros do velho canoeiro, não só manter o rojão de suas narrativas, mas também as variadas nuances de suas sensíveis e aguçadas visão e percepção das paisagens, lugares e pessoas, do mundo onde, como e com quem conviveu.

Empreitada desafiadora – ao mesmo tempo que empolgante, pelo detalhe das memórias que nos foram confiadas – que, esperamos, permita apresentar um pouco da vida que se levou neste ainda esquecido e pouco conhecido Baixo São Francisco.

O livro 1 – É CANOEIRO!

O primeiro livro das peripécias do Marino da Sonhadora tem ambiente no início dos anos 40 do século vinte, época da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, após o afundamento de vários navios brasileiros pelo submarino alemão U-507 nos litorais de Sergipe e da Bahia.

Os quadrinhos são precedidos por texto com relatos do Marino da Sonhadora sobre o lugar no período temporal da história. Reprodução: Edições da Canoa

Foram eventos que causaram impacto na sociedade das cidades e comunidades do Baixo São Francisco próximas da foz do grande rio.

Numa região até então ainda extremamente isolada do resto do Brasil e do mundo, as ramificações dos efeitos da guerra se faziam notar pelos mais variados personagens que circulavam pelo porto de Penedo, porta de entrada para as diversas brenhas do Brasil.

Marino da Sonhadora, o mais jovem canoeiro da margem – nem por isso pouco hábil ou experiente na arte da navegação das canoas de tolda – viverá, junto com seu inseparável companheiro Cascabulho, uma inesperada e atribulada aventura ao se envolver em um episódio diretamente relacionado com a guerra paralela, subterrânea, que se desenrolava em diversos lugares do mundo, fora dos cenários onde aliados e as forças do Eixo se enfrentavam.

O esquecido Baixo São Francisco, localizado no (na época) quase deserto e longo trecho da costa inóspita entre entre Salvador e o Recife, ofereceria condições ideais para que aventureiros de outros lugares, com objetivos os mais diversos, aqui se instalassem.

A canoa Sonhadora, do canoeiro Marino, em detalhes. Reprodução: Edições da Canoa

Pela sua experiência, pelo conhecimento profundo que tinha da navegação entre a foz do rio e o alto sertão, a grande carreira do Baixo São Francisco (afinal, pegava o nome de barra a barra, navegando entre a praia e o sertão…), Marino foi contatado por soturno agente europeu para uma não menos estranha e secreta missão.

A bizarra proposta, com objetivos desconhecidos, posto que secretos, uma vez relacionados “à segurança dos países aliados envolvidos na guerra…”, segundo o europeu, seria encarada por Marino como mais um desafio para seu espírito aventureiro: “meu negócio era navegar, estar ali, na popa da canoa, com tempo bom, tempo ruim, a refrega arrochando… e, não vou dizer que não era um frangote com ousadia…”

No xangô de Pai Zuza no alto do Oiteiro da velha cidade do Penedo, os búzios falaram: “tem coisa pela frente…”

Mesmo tendo o entendimento dos inúmeros riscos, Marino embarca na missão, não sem antes tomar suas precauções… porém, as dúvidas persistem mas, uma vez deixado o porto, não há volta para a canoa, que tem que seguir pelas carreiras do rio, a sina da vida de canoeiro da margem.

Como dizia Marino, “na boca desse rio de São Francisco, onde no verão as águas doces grossas e turvas das cheias avançavam muitas léguas mar adentro… Na boca desse rio, nas noites estreladas de verão e nas areias ainda mornas da ilha do Arambipe, o farol varre os pensamentos para longe, para acolá do horizonte…”

Os autores

Carlos Eduardo Ribeiro Junior

Está no Baixo São Francisco desde 1997, com envolvimento em ações para a preservação do meio ambiente, cultura e história da região, com ênfase na preservação do Patrimônio Naval. com o projeto Embarcações do Baixo São Francisco.

Coordenou o restauro da tradicional canoa de tolda Luzitânia (de porte semelhante ao da canoa Sonhadora de Marino), ponto de partida das histórias das navegações no Baixo São Francisco, possibilitou a criação do projeto com os relatos de Marino da Sonhadora. É criador da RPPN Mato da Onça, onde atualmente é um dos co-gestores.
Carlos Eduardo é autor dos textos, roteiro e esboços da obra e co-autor do projeto gráfico da publicação.

Federico de Aquino

Artista visual, trabalha com ilustração e quadrinhos desde os anos 90. Através de seu trabalho na publicação Bordejo, sobre os saveiros baianos, embarcou no projeto do Marino.

Em busca da melhor inspiração e conhecimento técnico e do local para o trabalho das ilustrações do livro, Federico veio ao Baixo São Francisco para um mergulho nesse mundo esquecido onde, durante vários dias, navegou a bordo da canoa Luzitânia entre a foz do Velho Chico e o alto sertão onde produziu um belíssimo estudo em seu caderno de viagem.

Com sua arte, Federico é o ilustrador e co-autor do projeto gráfico da obra.

Ficha técnica

Formato – 23 x 30,5 com lombada quadrada

Capa – Tríplex C2S 300 g/m² com laminação fosca e verniz localizado, orelhas e impressão de conteúdo complementar nas faces internas

Miolo – 88 páginas papel pólen 90 g/m², impressão preto e branco, com encarte de 32 páginas em cor.

O livro está em processo de organização de distribuição e venda em todo o Brasil.

Preço público – R$ 60,00

Para maiores informações: canoadetolda@canoadetolda.org.br

Fontes: Canoa de Tolda; Edições da Canoa

O projeto Marino da Sonhadora é apoiado pelo InfoSãoFrancisco.


Leia ainda

Sub-médio/Baixo São Francisco: vazões dos últimos sete dias (07 a 14/11)

Sub-médio/Baixo São Francisco: vazões dos últimos sete dias (24 a 31 de outubro)

Baixo São Francisco: as vazões dos últimos sete dias (21 a 29 de agosto)


Como publicar as matérias do InfoSãoFrancisco

1- As matérias do InfoSãoFrancisco podem ter os títulos e intertítulos alterados, se necessário, para adequar o conteúdo ao formato do veículo. Atenção: não são permitidos cortes, reduções, edições ou ainda situações de alijamento do contexto com relação aos conteúdos.

2- Todas as republicações devem trazer o nome do InfoSãoFrancisco e do autor com destaque, na parte superior do textos – mesmo os editados com parceiros internacionais. Neste caso, também deve constar o nome do autor e do parceiro internacional.

3- Todas as republicações devem trazer o link https://infosaofrancisco.canoadetolda.org.br. Tweets sobre as reportagens republicadas devem conter a menção: @InfoSFrancisco. No Facebook deverá ser inserido o link de nossa página: https://facebook.com/canoa.detolda.

4- As fotos só podem ser republicadas junto com as reportagens, trazendo os devidos créditos e legendas.

5- Vídeos podem ser reutilizados, desde que na íntegra, com os devidos créditos e links para nosso site e canais no Youtube ou Vimeo.

6- Reportagens publicadas no InfoSãoFrancisco não podem, em qualquer hipótese, ser comercializadas.