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Amazônias no Nordeste: incêndios na Caatinga

Assim como a Amazônia, o Nordeste brasileiro também está queimando. É verdade que a quantidade de incêndios é bem menor no que o que ocorre na maior floresta do mundo, porém a área é menor, o que acaba por transformá-los em representativos.

A mobilização nacional e internacional que movimentou autoridades mundiais em relação à ocorrência recente de incêndios na Amazônia brasileira arrefeceu bastante nas últimas semanas. No entanto, a floresta continua queimando! Com efeito, entre os dias 5 e 12 de setembro, foram detectados mais de 27 mil focos de incêndios na região, os quais se acham concentrados nos estados do Pará e Rondônia (GFW, 13 de setembro de 2019).

Assim como a Amazônia, o Nordeste brasileiro também está queimando. É verdade que a quantidade de incêndios é bem menor no que o que ocorre na maior floresta do mundo, porém a área é menor, o que acaba por transformá-los em representativos. A informação vem do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e da organização americana Global Forest Watch (GFW), que mantém uma plataforma online fornecendo dados e instrumentos para o monitoramento de florestas no mundo inteiro em tempo real. A plataforma pode ser consultada por qualquer pessoa, livre de quaisquer impedimentos, e acha-se disponível em www.globalforestwach.org.

Maranhão e Piauí

O mapa dos incêndios no Nordeste brasileiro publicado pela GFW para o período compreendido entre 5 e 12 de setembro de 2019 pode deixar cientistas, pesquisadores, gestores e ambientalistas bastante apreensivos. Ele indicou a existência de um total superior a 18 mil focos de incêndios na região, os quais se achavam concentrados nos estados do Maranhão, Piauí, Bahia e Ceará.

O Maranhão isoladamente apresentou quase 9 mil focos, enquanto o Piauí contou com mais de 6 mil. O Piauí, aliás, na última década, ocupa o segundo lugar no ranking de queimadas no Brasil, atrás apenas do Pará (Climatempo, 2018).

O site Global Forest Watch disponibiliza mapas atualizados dos pontos de incêndio no Brasil. Imagem | Global Forest Watch

Variação por bioma

Os incêndios são maiores no Maranhão e Piauí em relação aos demais estados do Nordeste provavelmente pelo fato de que a fronteira agrícola está avançando sobre eles, ocorrendo intensa atuação do agrobusiness. Além disso, esses territórios apresentam grande área ocupada por cerrados. Os incêndios são parte integrante da evolução dos cerrados, e ocorrem com muito maior intensidade nesse bioma do que na Caatinga – e ao contrário da Amazônia, que não conta com combustão espontânea ou provocada por fatores naturais para a ocorrência de incêndios.

Com efeito, na Amazônia, que é uma floresta pluvial, a copa fechada da mata, bem como a serrapilheira úmida, impedem a proliferação do fogo, que só existe se for artificialmente instalado, para a limpeza de terreno visando a atividade agropecuária, por exemplo. O Cerrado, ao contrário, é um bioma com formação vegetal aberta, rica em biomassa e situado em áreas com clima caracterizado pela ocorrência de estação seca bem definida, portanto sujeito à ação do fogo natural – ou a uma maior propagação do fogo, uma vez sendo iniciado por fatores antrópicos, sejam propositais, sejam acidentais.

Sobre a Caatinga

A Caatinga, por sua vez, situa-se em clima Semiárido, e poderia contar com uma maior ocorrência de incêndios na sua evolução, face à condição de permanente baixa umidade do ar e temperaturas elevadas. Tal fato no entanto não ocorre, provavelmente porque a vegetação é rala. Assim, tanto quanto a Amazônia, a Caatinga não conta com combustão espontânea na sua evolução histórica e cotidiana (Araújo, comunicação pessoal).

A Caatinga apresenta, assim, focos de incêndios associados com o uso e ocupação a que está sujeita. São resultantes sobretudo das queimadas para a limpeza de terreno, visando o plantio para um novo ano de cultivo. A queimada é uma técnica de limpeza do solo, diferente do incêndio propriamente dito, que é caracterizado por fogo descontrolado. Com frequência, no Brasil, incluindo o Nordeste, esses dois processos acham-se associados (Figura 1).

Na Amazônia, a queimada está visceralmente atrelada ao agrobusiness, produzida não apenas para limpeza do solo mas sobretudo para o desmatamento. Na Caatinga, é ainda o homem simples do campo, sem alternativas tecnológicas por falta de apoio dos organismos de gestão do território e pela carência pessoal de recursos para investir em outras alternativas, que produz a maior parte dos focos de incêndio, a partir da limpeza do terreno com fogo.

Mas tem também incêndios produzidos por caçadores, bem como em setores de mineração, em áreas de preservação ambiental (por meio do descarte de pontas de cigarro por usuários, por exemplo), e ainda incêndios causados por combustão oriunda de veículos em margens de estradas. Com certeza, ocorre também o incêndio simplesmente criminoso, visando destruição da cobertura vegetal.

Os incêndios são desastrosos, pois matam a fauna, ou obriga animais a abandonarem seus habitats. Em adição, empobrecem os solos – e os solos, tanto na Amazônia quanto na Caatinga, já são naturalmente pobres e pouco desenvolvidos, necessitando de longo período de tempo para se recomporem, se isso um dia vier a acontecer. Os incêndios também destroem pastos e outros cultivos, além de cercas, infraestruturas e equipamentos diversos. Causam ainda poluição do ar, com graves consequências para a saúde humana, implicando em gastos hospitalares e acidentes diversos, inclusive com fatalidades.

Tecnologias adequadas

O Nordeste via de regra está pouco habilitado a tratar com os problemas das queimadas e incêndios florestais. Do ponto de vista do uso e ocupação do solo, existem possibilidades de aplicação de tecnologias mais adequadas ao Semiárido, banindo o uso do fogo e fazendo a incorporação de matéria orgânica ao solo. Ocorrem, por exemplo, cultivos em assentamentos agrícolas utilizando mandalas e manejo agropastoril, que acompanhados pelo Ibama e Embrapa, têm sido exitosos em suas práticas.

Essas práticas são ainda, no entanto, bastante restritas. Esses exemplos poderiam ser expandidos para todo o Semiárido, se houvesse compromisso dos governos estaduais para com a gestão do bioma Caatinga. Tal compromisso, no entanto, não existe! Por outo lado, a resposta para o controle dos incêndios é lenta e pouco efetiva, com carência de equipamentos e pessoal especializado para o trato da questão, o que amplia enormemente as perdas associadas com os incêndios florestais na região. O número de postos de bombeiros no interior do Nordeste, efetivamente, é bastante reduzido.

Mudanças Climáticas

Segundo constatado pelos órgãos de acompanhamento de queimadas e incêndios no Brasil (em particular o Inpe), o número de eventos dessa natureza tem aumentado no Brasil nos últimos anos, incluindo o Nordeste. Na Amazônia, tal fato encontra-se associado com o descompromisso do atual governo para com a preservação ambiental, o qual inclusive se traveste em incentivo à destruição, em apoio a ruralistas.

No Nordeste, no entanto, eles ocorrem também em função das Mudanças Climáticas. Com efeito, a região vem passando por secas sucessivas, as quais agravam os riscos de incêndios, pela ausência de umidade no ar e pela ampliação da biomassa passível de ser mais facilmente queimada (folhas secas, por exemplo). As secas, se sempre caracterizaram a região, em particular no Nordeste oriental, parecem estar sendo mais intensas e amiúdes, o que resultaria do contexto mundial de ocorrência de Mudanças Climáticas e Aquecimento Global. Esse quadro implica na existência de climas mais secos, com ausência de chuvas, temperaturas elevadas e baixa umidade do ar, quadro mais que propício ao surgimento de focos de incêndios. Durante os meses do ano em que os alísios estão mais ativos – na maior parte do Nordeste, esse período ocorre no segundo semestre do ano -, a situação é ainda mais dramática, pois os ventos fortes potencializam a dispersão de fagulhas, ampliando os risco da combustão induzida.

Quadro perverso

O quadro é perverso: ampliados pelas mudanças climáticas, os incêndios florestais no Nordeste brasileiro implicam por sua vez em ampliação das Mudanças Climáticas, pois aumentam os riscos de desertificação e fortalecem as condições geradoras de aquecimento global. Mas o perigo mais imediato, e mesmo eminente, está associado a uma situação local. Trata-se do desmonte da política de preservação ambiental no País, orquestrada pelo atual Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente.

É fato que o Ministério tem agido para destruir todo o sistema de controle e fiscalização do meio ambiente do Governo Federal, e que o Governo vem incentivando garimpeiros e fazendeiros a destruir floresta e áreas de preservação ambiental. Circula ainda no Congresso Nacional projeto de lei (de autoria de membro do clã que se encontra no poder na atualidade) visando diminuir as áreas preservadas no meio rural. Assim, o desastre ambiental está em pleno curso no Brasil, e os incêndios florestais em todas as regiões do País são um retrato dessa situação escandalosa.

Queimadas e incêndios, são, sem dúvida, um problema ambiental de grandes proporções, que deve ser enfrentado com muito maior compromisso por parte dos governos estaduais e federal. Pois, é fato, o Brasil está queimando! Os dados publicizados pela GFW para o Brasil todo no período indicado (5 a 12 de setembro de 2019) informam a ocorrência de um total de 129.845 focos de incêndios no País, distribuídos em todo o território nacional, mas sobretudo no Centro- Oeste e na Amazônia.

Cabe colocar que as universidades públicas nordestinas têm grande contribuição a dar no processo de superação do problema: se resistirmos ao atual (des)Governo Federal, ainda poderemos trazer alento para pequenos agricultores que usam de queimada por falta de opção tecnológica, por meio do desenvolvimento de técnicas e da realização de atividades de extensão com comunidades rurais. Mas a hora de agir é agora: digamos não à destruição, em todas as suas dimensões!


Artigo originalmente publicado em:

Agência Eco Nordeste


Referências:

Araújo, Francisca. Professora do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Ceará, em comunicação pessoal, dia 25 de agosto de 2019.

Climatempo. Piauí lidera ranking de queimadas no Nordeste (https://www.terra.com.br/noticias/climatempo/piaui-lidera-ranking-de-queimadas-no-nordeste,f14400f0c41c758c0b5c46f523b0c336z0z7j4ti.html). Consultado em 25 de Agosto de 2019.

Global Forest Watch (GFW). Fire report for Brazil, 05 Sep. – 12 Sep. 2019. https://fires.globalforestwatch.org/report/index.html#aoitype=GLOBAL&reporttype=globalcountryreport&country=Brazil&dates=fYear-2019!fMonth-9!fDay-5!tYear2019!tMonth-9!tDay-12.  Consultado em 12 de setembro de 2019.

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Queimadas Nordeste. Comparação do total de focos ativos detectados pelo satélite em referência a cada mês, no período de 1998 até 26/08/2019. http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/. Consultado em 26 de Agosto de 2019.

Oliveira, U.C., Lima, E.C., Claudino-Sales, V. (no prelo).

Riscos ambientais no Nordeste setentrional brasileiro: estimativa de áreas de queimadas na bacia hidrográfica do Rio Coreaú, Ceará. Revista Brasileira de Cartografia.


◊ Imagem em destaque – Fragmento de mapa de pontos de incêndios. Imagem | Global Forest Watch


Fonte:

Agência EcoNordeste