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Para manter vazões no Baixo, novas defluências para UHE Sobradinho

CHESF promoverá série de aumentos de vazão da UHE Sobradinho a partir de sábado (12/12) para manter o VU – Volume Útil do reservatório da UHE Itaparica acima dos 30%, uma vez que as vazões da UHE Xingó permanecem em 2.750 m³/s até o final do mês de dezembro.

Através de comunicado do dia 10 de dezembro, a CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, anunciou novas defluências para a UHE Sobradinho que serão adotadas a partir do próximo sábado (12/12).

Como já divulgado pelo InfoSãoFrancisco, há a determinação (pelo ONS – Operador Nacional do Sistema, e com a publicação da Resolução ANA no. 51/03 de dezembro de 2020 – ver abaixo) as vazões no Baixo São Francisco serão mantidas na ordem de 2.750 m³/s até o final do ano, o que implica na redução do estoque da água estocada em Itaparica.

Desta forma, as vazões da UHE Sobradinho manterão o VU – Volume Útil do reservatório de Itaparica acima de 30%, que é a marca mínima de operações com menores restrições (veja Velho Chico segue como desenhado pelo setor elétrico).

Sub-médio e baixo São Francisco, regiões fisiográficas afetadas pelas operações em cascata a partir de Sobradinho. Cartografia: InfoSãoFrancisco

De acordo com a programação divulgada, assim ficarão as operações de Sobradinho:

12/12/2020 (sábado) – 1.400 m³/s (hum mil e quatrocentos metros cúbicos por segundo)

13/12/2020 (domingo) – 1.700 m³/s

14/12/2020 (segunda-feira) – 2.000 m³/s

15/12/2020 (terça-feira) – 2.300 m³/s

Veja a Carta Circular SOO-051/2020

Reprodução: CHESF

Sobre as operações da UHE Xingó até final de dezembro

O ONS – Operador Nacional do Sistema encaminhou para a ANA – Agência Nacional de Águas, a Nota Técnica 0118/2020 onde justifica a manutenção das vazões em 2.750 m³/s no Baixo São Francisco, promovendo a exportação de energia para as regiões onde a geração está afetada pela estiagem.

Observar que no conjunto de informações encaminhadas ao órgão regulador, não há uma citação a qualquer componente ambiental ou de afetação a seres humanos em toda a justificativa técnica (o itálico é nosso) para as operações de uso da água.

Veja abaixo a Nota Técnica ONS 0118/2020

Para regulamentar a demanda do ONS, a ANA publicou a Resolução ANA no. 51/03 de dezembro de 2020, que pode ser lida abaixo.

Reprodução: ANA

Água turbinada = água ruim

Desde o início da regularização do São Francisco, com a construção da UHE Sobradinho (1979/80) é desconhecida qualquer operação de barramento com o objetivo explícito de atender ao serviço (essencial) ambiental do rio. Neste caso, esta sendo considerada expecificamente água não turbinada, sem qualquer variação modulada para atender às máquinas geradoras.

Ocorreu uma situação anômala, em maio de 2015, quando um banco de microorganismos (microalga oportunista Ceratium furcoides) invadiu uma grande área a montante da UHE Xingó e a vazão (na época sendo de 1.000/1.100 m³/s) foi aumentada para 1.500 m³/s.

Mais recentemente, temos uma ACP – Ação Civil Pública provocada pela Canoa de Tolda referente à invasão de vegetação macrófita aquática e algas verdes invasoras que comprometem o acesso de populações humanas à água potável de qualidade. No processo, ainda em curso, está claro que é essencial água em quantidade adequada, durante longos períodos, para a garantia de água com qualidade e, sobretudo, água que flua sem variações que interferem nos ecossistemas próximos à linha de transição espelho d’água/zona ripária (marginal). Em resumo, neste caso, mesmo nos momentos extremos, onde a qualidade da água estava absolutamente inadequada para captação e uso por parte das populações difusas ao longo do Baixo São Francisco, nem uma única gota de água foi liberada para que um direito humano básico fosse respeitado.

Nas últimas semanas é fato que as vazões da UHE Xingó têm sido positivamente mais elevadas, com o retorno ao padrão de defluência anterior à 2013: não são cheias, como indevidamente veiculado por inúmeros veículos.

Porém, as vazões elevadas que melhoram, evidentemente, mas de forma inicial, a qualidade da água, da paisagem, são produzidas por água turbinada, produzindo variações horárias, diárias, ao longo da semana, incompatíveis com qualquer ecossistema natural. Ao mesmo tempo, as “marés” de Xingó, como picaretas líquidas, provocam um intenso processo erosivo – independente da evidente má conservação de zonas ripárias na maioria das margens ao longo do Baixo São Francisco – que por sua vez consolida a formação dos inúmeros bancos de areia em toda a região. Em bom português, água para o ambiente, não deve ser turbinada, que é ruim, ou se o for, que o seja sem variações, com operações de alguma forma constantes, se o objetivo é a preservação do manancial para o futuro.

Um hidrograma das últimas horas das vazões produzidas pela UHE Xingó é a prova incontestável do predatório modelo de operações desse sistema.

Reprodução: ANA/SNIRH

Como as chamadas vazões médias não têm restrições precisas da amplitude das máximas e mínimas, o barramento opera com variações extremas, que podem chegar a números inconcebíveis ao longo de poucas horas. Repetindo: nenhum sistema natural é passível de suportar um padrão de variações da vazão como o que é praticado pela UHE Xingó. Vamos lembrar, se houver alguma inadvertida comparação com as naturais marés, como na região da foz, que as mesmas são cíclicas, progressivas, de forma estável ao longo dos meses, dos anos, há séculos.

O gráfico das vazões defluentes de Xingó são, ainda, a assinatura exclusiva, impositiva (porém sob o silêncio cúmplice de órgãos ambientais, da gestão das águas, federais, dos estados, dos municípios, da sociedade, dos ministérios públicos, todos espelhos da nossa sociedade) do setor elétrico do desenho de como o Velho Chico deve ser, e chegar, a pulso, ao mar, quando este o permitir (veja Quando o rio adentrava o mar).

Veja abaixo uma série de registros recentes de vazões de Xingó, mostrando as grandes variações horárias 

Reprodução: ANA/SNIRH
Reprodução: ANA/SNIRH
Reprodução: ANA/SNIRH
Reprodução: ANA/SNIRH
O espaço neste sítio está disponível para esclarecimentos por parte de órgãos e entidades citados.

AUTORIZAÇÃO DE VAZÃO DE 550 M³/S AINDA EM VIGOR

Sob o silêncio de todos os entes da gestão, municípios, estados e da sociedade do Baixo São Francisco, Xingó segue operando com a Autorização Especial 012/2017 que permite a vazão mínima de 550 m³/s..

A manutenção ad eternum da autorização, quando a ANA define e estação como normal, é um precedente extremamente danoso para com o já precário processo de licenciamento de operações de barramentos, colocando em risco, pela temerária situação, não apenas o São Francisco, mas todos os demais rios brasileiros que tenham barramentos em suas bacias.

ATÉ QUE CAIA

Em 13 de dezembro de 2019 foi publicada a matéria 550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco. Desde aquela data não são conhecidas, até o momento, disposições e/ou ações que levem ao cancelamento da Autorização Especial IBAMA 012/2017 e necessárias responsabilizações.

Temos, então, que a UHE Xingó permanece operando com a acima citada Autorização Especial 012/2017, sem qualquer reação, inclusive por parte dos entes do sistema de gestão que, naturalmente, não são desconhecedores da situação.

Os efeitos danosos se acumulam ao passivo já considerável de exatos quarenta anos de regularização desde a entrada em operação de Sobradinho (1979/80).

Para que esse caso não caia no esquecimento, na normalidade cotidiana, será mantida a republicação desta denúncia agregada à cada nova notícia, ininterruptamente, até que seja conhecida reação que conduza ao cancelamento/revogação desta licença que equivale a mais um desastroso passo rumo ao fim do rio São Francisco.


Veja ainda

Vazões no São Francisco: redução em Sobradinho, Xingó sem mudanças

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Fontes

CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

ONS – Operador Nacional do Sistema

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico


Imagem em destaque – A jusante do Bonsucesso. Foto: Carlos E. Ribeiro/InfoSãoFrancisco