por InfoSãoFrancisco | via Peter von Gunten
Em 1979/80 o autor fez um filme sobre o despejo dos camponeses durante a construção da barragem de Sobradinho: “Terra Roubada”. 10 anos depois voltou para a região para realizar “Terra prometida”, um retrato das famílias, homens e mulheres de São Gonçalo da Serra, testemunho da sua luta pela sobrevivência perto das suas antigas terras, agora inundadas.
Em 1092/93 foi produzido o documentário “Terra prometida”, um retrato das famílias, homens e mulheres de São Gonçalo da Serra, testemunho da sua luta pela sobrevivência perto das suas antigas terras, agora inundadas.
Os agricultores de São Gonçalo viviam a poucos quilômetros do terceiro maior reservatório do mundo, num vale seco e árido e lutam pela sua sobrevivência. Em nome do progresso tornaram-se – como 14 anos antes centenas de milhares de outros também – expulsos de seu habitat tradicional às margens do Rio São Francisco. Eles tiveram que dar lugar à enorme barragem e à água do reservatório de Sobradinho. A energia elétrica ali produzida destina-se à indústria distante. As famílias de pequenos produtores também não se beneficiam dos sistemas de irrigação.
Apenas as grandes fazendas voltadas para a exportação têm (Nota InfoSãoFrancisco: em 1992) acesso à água. Estes incluem plantações de frutas e hortaliças, cuja produção é em grande parte destinada à exportação, e plantações de cana-de-açúcar, que fornecem a matéria-prima para a produção de combustível ou são usadas para gerar eletricidade, por exemplo, em fábricas de alumínio perto de Recife.
Terra Prometida
Em um ambiente de situação consumada, o cinegrafista suíço Peter von Gunten que já havia produzido clandestinamente o documentário Terra Roubada (Geraubt Erde, em alemão, língua original do filme) 1979/80, muito provavelmente o único produzido sobre tão pouco falado – e deliberadamente esquecido – e grave conflito.
Em entrevista à Zoom, em 1993, Peter von Gunten cita que Terra prometida é mais do que a continuação da anterior Terra roubada. Não há apenas uma diferença de tempo entre os dois filmes, eles também diferem em termos de conteúdo e forma. Se o filme Terra roubada que foi rodado às escondidas durante a ditadura militar, é, um “filme-testemunho” que deu um porta-voz aos afetados, mas deixou de lado a vida cotidiana, ‘Terra prometida’ centra-se na sua vida quotidiana Pessoas. Nós os vemos fazendo compras nos assentamentos dispersos, nos barracos simples ou consertando suas bicicletas.
“No primeiro filme as pessoas falam sobre sua situação, no segundo eu as acompanho”, diz Peter von Gunten. ‘É uma mudança de perspectiva, reflexão e filtro’.
Em 1993, a exibição de Terra Prometida estréia em Solothurn provocando um ambiente de desânimo e o questionamento sobre os reais beneficiários do grande projeto de Sobradinho e sua políticas ditas de mitigação sobre os impactos da barragem e seu imenso lago.
Como apresentou Marie-Louise Zimmermann, do periódico Berner Zeitung,em janeiro de 1993 a resposta viria do Brasil através de uma carta de agradecimento do bispo Dom José Rodrigues de Souza, envolvido no projeto: o filme havia sido exibido mais de 150 vezes em um cinema itinerante na área afetada, contribuindo para conscientizar as pessoas sobre seus direitos e também teve um efeito positivo no planejamento do Estado.
“Foi assim que o filme se tornou uma arma em nossa luta por justiça. Está longe de ser vencido. Nossas preocupações são para toda a vida, por isso também precisamos de sua ajuda para a vida. O que acontece aqui é decidido nos EUA e na Europa. Por isso é importante que as pessoas de lá sejam informadas sobre nós”, disse Dom José.
A seguir, extratos do material produzido pelos realizadores (em alemão no original) para a divulgação de Terra Prometida.
OS MORADORES DE SÃO GONÇALO DA SERRA
O povo de São Gonçalo da Serra tenta viver da lavoura nas terras secas da chamada caatinga, mais afastadas das margens dos rios ou lagos. Para plantar feijão, mandioca, milho, frutas, verduras e talvez arroz, tem que chover. Quando Peter von Gunten viajou para a área em março de 1993 para mostrar ao povo de São Gonçalo da Serra seu – seu – filme, ele ficou seco pela segunda vez consecutiva durante a atual estação chuvosa. Semear é impossível. O que as 22 famílias devem viver no próximo ano é incerto.
“O povo de São Gonçalo da Serra contribuiu tanto para o filme que deveria vê-lo primeiro”, diz Peter von Gunten.
“O filme mostra a realidade local”, diz Rizonilde (tradutora assistente) “Muita gente mora por aqui como os de São Gonçalo da Serra. Estão todos marginalizados pelos projetos de irrigação, pelos projetos de piscicultura. Para que haja desenvolvimento de acordo com as necessidades do povo brasileiro, o próprio povo deve se tornar sujeito do planejamento, da história. Mas hoje, após 20 anos de trabalho, percebo que os afetados estão consideravelmente piores do que antes. Está se tornando cada vez mais difícil ser otimista, continuar acreditando em um futuro melhor. Mas não temos escolha a não ser continuar trabalhando para mudar essa situação miserável. Deus vai nos ajudar com isso. Um dia nossa fé, nossa utopia, se tornará realidade.”
ENTREVISTA COM O BISPO DOM JOSE RODRIGUES DE SOUZA
A situação do povo não melhorou, pelo contrário, piorou. O filme retrata a Comunidade de São Gonçalo da Serra, que conheço muito bem. É um caso muito típico na minha diocese. Todas as novas comunidades próximas às margens do lago estão sofrendo da mesma forma com os efeitos do reservatório e dos grandes projetos. Soma-se a isso a seca aqui na Caatinga, que já dura sete anos. Não chove desde dezembro de 1991. Hoje as pessoas às vezes procuram água a 10 quilômetros. Em vista da grande quantidade de água no reservatório, é incompreensível para o observador de fora que as pessoas aqui estejam completamente isoladas da água.
O governo federal, governadores e prefeitos devem investir igualmente no abastecimento de água para a população e em projetos de grande porte. No Brasil há muitos estudos nos ministérios sobre como conseguir água suficiente para as pessoas, por exemplo, construindo canais do lago até aqui.
Mas há uma falta fundamental de vontade política. A elite dominante não tem interesse em mudar as condições miseráveis. Isto aplica-se não só ao abastecimento de água, mas também à construção de estradas, centros de saúde, escolas. É muito mais fácil manipular um povo ignorante.
OS CAMARÕES
Uma prova mais séria do absurdo de tal desenvolvimento dificilmente pode ser encontrada:
Alguns anos atrás, uma estação de bombeamento flutuante foi montada no lago, enormes tubos alimentados com água nos grandes tanques artificiais de reprodução.
As larvas dos camarões gigantes de água doce foram trazidas de um laboratório em João Pessoa, na costa atlântica, a quase 1.000 quilômetros de distância, usando um caminhão refrigerado especialmente equipado.
Os camarões eram vendidos em restaurantes de luxo nas costas turísticas do Brasil, nos EUA e na Europa. E apenas dois anos após o início desta empresa, nada resta além de uma ruína de investimento.
O agricultor Gerson Cardoso Barros, de São Gonçalo da Serra, descreve sua experiência nada incomum no filme: trabalhou no projeto de camarão do italiano Gianpietro Vanoncini, nas proximidades. Ele ainda deve a ele parte de seu salário e não paga apesar das advertências. Gerson não insiste em encontrar trabalho lá no futuro. Alguns meses depois, o projeto do camarão, que o proprietário descreveu com as cores mais vivas no filme, não existe mais.
Em março de 1993, apenas dois dos mais de 30 grandes tanques de reprodução próximos ao lago ainda continham água. Não há mais sinal de camarão. «A operação está atualmente suspensa. As piranhas entraram pelos canos de água e comeram o camarão. O ‘patrão’ (o patrono) está na Itália”, relata uma funcionária que ficou lá.
TERRA PROMETIDA
Sobre o autor
Peter von Gunten nasceu em Berna, Suíça, em 1941. Entre 1956-61 Cursou a Kunstgewerbeschule (Escola de Artes Industriais) e em seguida estudou História da Arte. No período 1960-64 atuou como desenhista gráfico e fotógrafo para inúmeras agências de publicidade e ateliers de desenho gráfico, além de ter realizado ilustrações para filmes animados. De 1964 a 1970 criou seu atelier independente de desenho gráfico, realizou exposições de desenhos e fotografias. Desde 1967 está envolvido como autor, diretor, fotógrafo e produtor de curtas metragens, documentários e também tendo realizado longas metragens.
Dentre seus filmes mais conhecidos estão: Bananera libertad (1971), Die Stimme des Volkes ( El grito del pueblo ) (1977) e Para Sempre Pestalozzi (1989).
TERRA PROMETIDA
Título traduzido:
GELOBTES LAND
Categorias
Filme estrangeiro / Longa-metragem / Sonoro / Não ficçãoMaterial original
16mm, COR, 104min, 1.333m
Data e local de produção
Ano: 1992/93
Cidade: Zurique
País: Confederação Helvética
Gênero
Documentário
Produção
Companhia(s) produtora(s):
SUISSIMAGE; Filmproduction
Companhia(s) co-produtora(s):
Cinov AG Filmproduktion – Bern – CW;
Westdeutscher Rundfunk – Köln – DE;
Schweizer Fernsehen SRG DRS
Assistência de produção:
Kestering, Celito;
Zaugg, Marian;
Legnazzi, Remo
Argumento/roteiro
Gunten, Peter von
Colaboração em pesquisa e roteiro – Marian Zaugg
Direção
Direção: Gunten, Peter von
Assistência de direção: Blaser, Agathe; Sá, Rizonilde Queiroz de
Fotografia
Câmera: Gunten, Peter von
Direção de câmera: Gunten, Peter von
Som
Áudio – Remo Legnazzi
Direção de som: Legnazzi, Remo
Mixagem: Büttikofer, Rolf
Montagem
Montagem: Gunten, Peter von
Assessoria de conteúdo e suporte – Celito Kestering
Música
Música – Raimundo Antônio dos Santos / Edezel Pereira (Repentistas)
Outros colaboradores – Sá e Guarabira, Maria de Carvalho
Equipe no Brasil
Diretor Assistente – Tradução – Agat Blaser
Assistente de produção – Agat Blaser e Remo Legnazzi
Gerente de gravação de apoio à produção – Rizonilde Queiroz de Sá
Coordenação de filmagem – Celito Kestering
Tecnologia de estúdio
Edição ON-line – Teleprogress Bern Tecnologia e determinação de luz Tinu Mühlethaler
Tonstudio Zone 33 Bern Mixagem Rolf Büttikofer FAZ Swiss Effects Zurich Ruedi Schick
Prêmios
Prêmio Especial ‘Ambiente’ – Festival Internacional da Figueira da Foz, PT.
Prêmio BAK Escritório Federal de Cultura
Seleção de festivais e prêmios
Solothurn Film Days Fórum do Festival de Cinema de Berlim para Young Films International Film Festival
Festival Internacional de Cinema de Locarno Figueira da Foz (Prémio Especial ‘Ambiente’) Huelva
Cartaz/capa documentário
Documentary film by Peter von Gunten
Airbrush, Negro-pen
42 x 59.4 cm, offset, 3 cores,,
Artista: Bundi Stephan
Título do cartaz: Terra Roubada
Imagem em destaque – Montagem fotograma Terra Roubada/Cartaz. © Peter von Gunten
Fontes –
SOBRADINHO +40 – A DESINTEGRAÇÃO DO RIO DA INTEGRAÇÃO
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