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550 m³/s! Vazão mínima autorizada [ainda] em vigor no Baixo São Francisco

 

Com a distância silenciosa dos entes gestores das águas do São Francisco, e o não cumprimento do IBAMA de sua missão de proteção do patrimônio natural brasileiro, a CHESF opera, desde 2017, com autorização especial do IBAMA que, ainda em vigor, permite vazão mínima de 550 m³/s a jusante de Sobradinho.

 

Desde o inicio de 2013, com a chamada crise hídrica da bacia do São Francisco, que o sistema elétrico vem operando os barramentos (da UHE Sobradinho, no Médio São Francisco, a UHE Xingó, no trecho baixo) com vazões inferiores aos 1.300 m³/s (hum mil e trezentos metros cúbicos por segundo) estabelecidos pelo Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Entre 2013 e 2017, sob a pressão do setor elétrico, o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, emitiu diversas Autorizações Especiais (ver tabela abaixo), chegando à de número 012/2017 que determinava como vazão mínima defluente a jusante de Sobradinho e todos os barramentos até Xingó, no Baixo São Francisco, exatos 550 m³/s. Porém, verificou-se, por parte da CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco , a adoção de vazões médias mínimas para as operações de Xingó, ao invés de patamares mínimos absolutos.

Em 2017, com a vazão a 550 m³/s o leito do São Francisco, exposto, foi um dos marcos do fracasso da gestão do patrimônio natural brasileiro. Com a Autorização Especial 012/2017 em vigor, é um cenário que pode retornar. Foto | Canoa de Tolda

Dever ser registrado que não são conhecidos estudos e/ou relatórios sistemáticos e específicos sobre os impactos produzidos (tanto antecipadamente – para o estabelecimento de um sistema de gestão de riscos e danos –  como pós-operação de modo avaliar os quadros resultantes) pelo IBAMA não só referente ao período a partir do início 2013 (com exceção de um documento emitido pelo IBAMA/Sergipe, a Nota Técnica 02028 – 00002016/038 DITEC/SE/IBAMA, em 2016) mas também ao passivo ambiental decorrente desde a regularização do rio pela barragem de Sobradinho que completou quarenta anos em novembro passado.

A gravidade da situação atual é que o setor elétrico opera hoje com uma autorização emitida em 2017 que é automaticamente (e  confortavelmente, para licenciador e licenciado) prorrogada criando uma situação temerária e de risco de danos irreversíveis ao já debilitado Velho Chico.

Fica claro que o órgão não cumpre adequadamente sua função básica que é a proteção e a conservação do patrimônio natural brasileiro ao manter em vigor um licenciamento que foi elaborado, sem estudos de impactos, para uma situação específica ocorrida em 2017.

Beneficiado pela omissão de estados e municípios com populações extremamente afetadas e com situações de não acesso à água de qualidade e seus patrimônios naturais a caminho da detonação irreversível; pela aquiescência de entes dos órgãos do SINGREH – Sistema Nacional de Gestão de Recursos Hídricos e dos integrantes do grupo de acompanhamento da situação hídrica do São Francisco (organizado pela ANA – Agência Nacional de Águas) e finalmente  por uma relação favorecedora ao segmento  pelo órgão licenciador, o setor elétrico consolida de modo sistêmico o seu controle das águas do rio São Francisco.

Com o leito vulnerável, a vegetação exótica invasora ocupou (e ainda ocupa) território. As populações difusas tiveram (e ainda têm) o acesso à água potável gravemente comprometido. Foto | Canoa de Tolda

Em busca da manifestação formal do operador dos barramentos

Após vários meses da manutenção de grandes variações nas vazões horárias, ao longo do dia e, sobretudo, nos finais de semana, quando o Baixo fica literalmente na seca,
em outubro passado solicitou-se à CHESF, via E-Sic (o sistema da CGU – Controladoria Geral da União que possibilita o acesso de qualquer cidadão às informações do Governo Federal, veja abaixo texto explicativo.) esclarecimentos precisos sobre o dispositivo legal que permitia (e permite até hoje) as operações abaixo do valor mínimo de restrição (1.300 m³/s).

Através do pedido com protocolo 99908000642201971, em 30 de outubro, foi solicitado: Arquivo PDF de autorização em vigor do IBAMA para barramentos no São Francisco.

A resposta da CHESF, na data de e dentro do prazo legal (os órgãos têm vinte dias para responder, podendo, em caso de dificuldade na obtenção da informação, solicitar uma prorrogação à CGU):

“Em resposta a seu pedido de informação Protocolo SIC N° [99908.000642/2019-71] , informamos que em 07/08/2017, foi emitida pelo IBAMA a Autorização Especial nº 012/2017, permitindo a CHESF, em função da crise hídrica na Bacia do Rio São Francisco, a redução da vazão mínima defluente até 550 m³/s. Sua validade foi definida nos subitens 1.1 e 1.2 das Condições Gerais, cujo teor é transcrito abaixo.

“1.1 Esta Autorização Especial será suspensa no momento em que o regime hídrico do rio São Francisco permita as Usinas Hidrelétricas operarem com uma vazão residual mínima de 1.300 m³/s.

1.2 Esta Autorização Especial terá validade até que se atinja o disposto na condicionante 1.1.”

A referida Autorização pode ser acessada no endereço https://servicos.ibama.gov.br/licenciamento/consulta_empreendimentos.php , indicando no campo “Nome do Empreendimento” a UHE Xingó.

Atenciosamente,

Serviço de Informação ao Cidadão – SIC”

As autorizações especiais desde 2013

Todas as operações de barramentos em rios de domínio da União (rios que atravessam mais de uma Unidade da Federação) são autorizadas pelo IBAMA, através da COHID – Coordenação de Licenciamento Ambiental de Hidrelétricas, Hidrovias e Estruturas Fluviais, instância da DILIC – Diretoria de Licenciamento Ambiental

No caso específico do São Francisco, desde 2013 as operações abaixo da marca dos 1.300 m³/s seguem o mesmo trâmite, porém através de Autorizações Especiais. Confira as autorizações na listagem abaixo:

 

Autorização EspecialData de EmissãoEmenta
01/201301/04/2013Para reduzir em caráter emergencial a vazão do Rio São Francisco a partir da UHE Sobradinho, Complexo Hidrelétrico Paulo Afonso e UHE Xingó, para 1.100 m³/s
04/201402/12/2014Para realizar testes de redução de vazão no Rio São Francisco a partir da UHE Sobradinho até o limite de 1.000 m³/s, medidos na defluência da UHE Xingó, nos períodos considerados de carga leve (dias úteis e sábados entre 0:00 h e 7:00 h e durante todo o dia nos domingos e feriados).
01/2013 – 1ª Retificação16/03/2015Para reduzir em caráter emergencial, e nos períodos de carga leve (dias úteis e sábados entre 0:00 h e 7:00 h e durante todo o dia nos domingos e feriados), a vazão do Rio São Francisco a partir da UHE Sobradinho, Complexo Hidrelétrico Paulo Afonso e UHE Xingó para 1.000 m³/s.
01/2013 – 2ª Retificação20/03/2015Para reduzir em caráter emergencial, a vazão do Rio São Francisco a partir da UHE Sobradinho, UHE Luiz Gonzaga,
Complexo Hidrelétrico Paulo Afonso e UHE Xingó, para os seguintes patamares mínimos:
– para 1.000 m³/s, nos períodos de carga leve (dias úteis e sábados entre 0h e 7h e durante todo o dia nos domingos e
feriados);
– para 1.100 m³/s, nos demais períodos.
05/201517/04/2015Para realizar testes de redução de vazão no Rio São Francisco, a partir da UHE Sobradinho, até o limite de 900 m³/s, medidos na defluência da UHE Xingó, considerando o seguinte cronograma:
– 1.000 m³/s em tempo integral na primeira etapa;
– 950 m³/s em tempo integral na segunda etapa;
– 900 m³/s em tempo integral na terceira etapa.
07/201518/12/2015Para executar testes de redução da vazão defluente da UHE Sobradinho em caráter emergencial, até o limite de 800 m³/s, medidos na defluência da UHE Xingó, considerando as seguintes etapas:
– 850 m³/s em tempo integral na primeira etapa;
– 800 m³/s em tempo integral na segunda etapa.
08/201626/09/2016Para executar testes de redução da vazão defluente a partir da UHE Sobradinho até o limite de 700 m³/s, medidos na defluência da UHE Xingó, considerando as seguintes etapas:
– 1ª Etapa: 750 m³/s em tempo integral;
– 2ª Etapa: 700 m³/s em tempo integral.
08/2016 – 1ª Retificação18/10/2016Para executar testes de redução da vazão defluente a partir da UHE Sobradinho até o limite de 700 m³/s, medidos na defluência da UHE Xingó, considerando as seguintes etapas:
– 1ª Etapa: 750 m³/s em tempo integral;
– 2ª Etapa: 700 m³/s em tempo integral.
08/2016 – 2ª Retificação09/11/2016Para executar testes de redução da vazão defluente a partir da UHE Sobradinho até o limite de 700 m³/s, medidos na defluência da UHE Xingó, considerando as seguintes etapas:
– 1ª Etapa: 750 m³/s em tempo integral;
– 2ª Etapa: 700 m³/s em tempo integral.
11/201710/05/2017Para realizar testes de redução de vazão defluente na Usina Hidrelétrica de Xingó, até o limite de 600 m³/s, considerando as seguintes etapas:
– 1ª Etapa: 650 m³/s;
– 2ª Etapa: 600 m³/s.
12/201707/08/2017Para realizar testes de redução de vazão defluente na Usina Hidrelétrica de Xingó, até o limite de 550 m³/s.
Acesse cada uma das autorizações especiais do IBAMA para a CHESF clicando nos anos de emissão de cada documento (em realce). Fonte da tabela: CHESF

ENtenda o que é e-sic

O Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) permite que qualquer pessoa, física ou jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação, acompanhe o prazo e receba a resposta da solicitação realizada para órgãos e entidades do Executivo Federal.

Qualquer pessoa pode acessar o endereço https://esic.cgu.gov.br, se cadastrar e realizar sua demanda buscando o órgão requisitado na listagem.

Nossa percepção é de que há longa data os órgãos públicos são resistentes às demandas realizadas diretamente através de seus sites. Uma das barreiras, que demonstra a a resistência ao questionamento por parte de cidadãos é a inexistência, nos sítios eletrônicos do órgão ou instância, de um sistema de protocolo eletrônico para o registro de solicitações através de ofícios.

Órgãos diretamente ligados à gestão das águas e território da bacia, como a Codevasf, CHESF – Companhia Hidroelétrica do São Francisco; CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco; ONS – Operador Nacional do Sistema; não contam com protocolos eletrônicos. A falha não pode ser atribuída a uma possível falta de recursos. Alguns têm fichas de formulários de contato que não configuram, tecnicamente ou institucionalmente, um protocolo, pois não geram número ou código do procedimento de modo que o mesmo possa ser acompanhado pela parte que demanda. Uma exceção é a ANA – Agência Nacional de Águas, que conta com um correto sistema de e-protocolo.


Leia ainda, para entender melhor

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Fontes

CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco

E-Sic – Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão

CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis


◊ Imagem em destaque – Autorização Especial IBAMA 012/2017.  Recorte IBAMA

Sobre o autor

Carlos Eduardo Ribeiro Junior

Co-criador do InfoSãoFrancisco e coordenador do projeto.