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Entrevistas – Reunião sobre atividade da ExxonMobil na foz do São Francisco deixa dúvidas

por Redação

Tendo como tema suas futuras atividades exploratórias na região costeira da foz do São Francisco, a Exxon Mobil promoveu uma reunião técnica (virtual) no dia 30 quando foram apresentados alguns aspectos do projeto a ser desenvolvido. Muitas dúvidas sobre o processo persistem e há aspectos nos EIA – Estudo de Impacto Ambiental e RIMA – Relatório de Impacto no Meio Ambiente que merecem revisão ou ainda, produção de informações.


O processo de licenciamento das áreas concedidas à ExxonMobil para atividades exploratórias na foz do rio São Francisco está em análise pelo IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis que, salvo engano, se auto atribuiu um papel de retaguarda na discussão pública de atividades de interesse privado a partir da exploração de patrimônio natural, minerário, de interesse público.

No caso particular e recente da concessão, através de rodadas promovidas pela ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, é observada a adoção de um modelo de tratamento e divulgação de informações onde, com exceção do acesso [não tão simples, por razões técnicas de acesso ao servidor do IBAMA] à documentação do EIA – Estudo de Impactos Ambientais e do RIMA – Relatório de Impacto ao Meio Ambiente, não é possível, pelos diversos segmentos da sociedade, a consulta às reuniões já realizadas pelo empreendedor.

Entrevistas

Para possibilitar mais informações do andamento das discussões relacionadas às atividades da petroleira ExxonMobil na foz do Velho Chico, o INFOSÃOFRANCISCO conversou com Emerson Soares, professor e pesquisador da UFAL – Universidade Federal de Alagoas, responsável pelo programa de campanhas científicas de monitoramento socioambiental do Baixo São Francisco (que são realizadas há três anos) , e Carlos Eduardo Ribeiro Junior, fundador da Sociedade Canoa de Tolda, entidade proponente da APA federal para a foz do São Francisco.

A avaliação geral da reunião

Emerson Soares – A percepção é de que está bem fundamentada a preocupação ambiental com a modelagem [de simulação de eventos de derramamento de óleo] que foi bem feita, com grande de quantidade de pontos, de investigação, mas há algumas falhas, como as vazões utilizadas como referência.

Carlos Eduardo Ribeiro Jr. – O modelo das reuniões, com o aval do IBAMA, não é interessante, sobretudo, para as populações diretamente afetadas na região da foz do São Francisco. Vamos ressaltar o fato de não haver gravação de disponibilização dos conteúdos para acesso, a qualquer momento, por qualquer pessoa interessada.

Também causa estranheza que ao invés de termos o IBAMA como condutor das organizações, ainda que em fase anterior às audiências públicas regimentais, temos o empreendedor como anfitrião exclusivo. Pelo que vimos, a ele coube a tarefa de selecionar e organizar os chamados convidados em grupos de interesse, com critérios de escolha que desconhecemos, para outras reuniões já realizadas, inclusive com prefeituras: não temos como saber, por exemplo, como os gestores municipais atuaram ou deixaram de atuar nas discussões.

Verificamos que o órgão licenciador se encontra em um plano próximo de um expectador. São situações que, sob nossa análise, não favorecem um processo efetivamente participativo que está lidando com patrimônio natural, minerário, de interesse nacional e com todas as implicações de impactos sobre meio ambiente e populações na região de influência.

Modelagens de vazões discrepantes da realidade

ES – Como disse, e foi apresentado pela organização Canoa de Tolda, as vazões de referência do São Francisco utilizadas para a modelagem estão desatualizadas e inadequadas. Esse trabalho deve ser refeito.

CERJ – Com relação às vazões, temos outro problema de geração de dados e previsões, que comprometem o conhecimento, avaliação, preparo e reação a possíveis quadros futuros de eventos. Temos hoje o São Francisco a jusante da UHE Xingó, desde 2013, com regularização abaixo de 1.300 m³/s (hum mil e trezentos metros cúbicos por segundo), tendo chegado aos impensáveis 550 m³/s em 217. Ocorreram incrementos pontuais acima disso em períodos breves, como no final de 2020 ou algumas situações isoladas [incrementos de vazões para as procissões em Propriá, SE; Penedo, AL e o encalhe da canoa de tolda Luzitânia].

Além desse quadro, tivemos a aplicação da Resolução ANA 2081/2017, que estabelece um padrão de penúria de águas defluentes com a vazão mínima de 700 m³/s. Vamos observar que na verdade, operacionalmente, os picos mínimos são abaixo disso. E, ainda, a atualização da LO – Licença de Operação da UHE Xingó com a vazão de restrição reduzida de 1.300 m³/s para 700 m³/s.

Reprodução: EIA/RIMA Exxon Mobil – SEAL.

Sobre esse tema, o representante da ProOceano [que realizou as simulações], Marcelo Montenegro, respondeu ao nosso questionamento na reunião falando que para a modelagem foram utilizadas as informações da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), onde as vazões mínimas consideradas foram de “1.537 m³/s no mês de junho”.

Da mesma forma, a não aplicação de um modelo de hidrologia hoje em vigor, o real, determinado inteiramente pelo setor elétrico, compromete a simulação feita com base em uma situação que hoje é inexistente.

Entendemos que o IBAMA não pode ser furtar à demanda de revisão das simulações apresentadas. Não fazendo, não cumprirá com a totalidade de suas atribuições no processo de licenciamento.

Ausência de modelagem completa para a região sul do estuário

CERJ – Apresentamos a ausência de modelagem de derramamento de óleo na região sul do estuário, a do canal da Parapuca, que abrange parte dos municípios de Brejo Grande e Pacatuba (em Sergipe), onde a influência das marés é importante. Esse fato é particularmente notado com a realidade atual de vazões do São Francisco extremamente reduzidas, com o rompimento da barra na Faísca (ao sul da foz), e o somatório da dinâmica da barra das Araras (ainda mais ao sul) deixando vulnerável uma extensa região de manguezais, laguna e apicuns que já está sofrendo os problemas de uma alta da salinidade.

No mapa, a área na foz considerada para a simulação de derramamento de óleo. Reprodução: EIA/RIMA Exxon Mobil – SEAL.

Ora, há forte interação do avanço do mar nestes locais e tal situação não foi considerada. A região é o que sobrou de alguma produção de biodiversidade na região do estuário. É curioso notar que o representante da ProOceano responsável pela modelagem, Marcelo Montenegro, se manifestou em seguida ao nosso questionamento falando que “o canal [da Parapuca] está perto da região do São Francisco”; quando na realidade o canal faz parte do complexo estuarino da foz. O canal, desculpe a ênfase, é rio São Francisco.

E, na mesma fala, o consultor disse que “a modelagem é feita em escala regional, desde o Espírito Santo e toda a zona equatorial brasileira…e que não é possível incluir, nessa modelagem regional, incluir a hidrodinâmica das centenas de pequenos canais estuarinos ao longo da região costeira”. Temos a dizer que essa premissa é inválida, pois estamos tratando de uma região diretamente em risco pelos riscos da atividade: a foz do São Francisco, ela é o foco principal em caso de algum evento, portanto, a não inclusão de zona crítica na modelagem é falha grave.

Na imagem satélite, as áreas não constantes na simulação do EIA/RIMA (região dos canais da Parapuca e riachos da Praúna, Bagres e Mutuca), onde se encontra a derradeira concentração de biodiversidade estuarina no Baixo São Francisco. Cartografia INFOSÃOFRANCISCO. Imagem Google Earth.

O próprio Montenegro confirma, em sua fala “que há de 90 a 100% de chances de chegada do óleo à barra do canal”, o que por si, já configura a necessidade de revisão. Finalizando, vamos deixemos claro que o canal da Parapuca, assim como o do Potengi, em Alagoas (onde a população não tem sequer água doce para uso humano, devem sim fazer parte da modelagem.

Ainda acrescentaríamos a necessidade de simulação nos demais canais da região de Brejo Grande, como o riacho da Praúna (que conduz à comunidade quilombola do Brejão dos Negros) e os demais, como a Mutuca e os Bagres, que alimentam um complexo de consideradas dimensões na região.

Tais modelagens serão, como no caso da revisão das vazões, sim, evidentemente, devem ter suas inclusões exigidas ao empreendedor pelo IBAMA. É uma obrigação da parte do órgão.

Pesca e demais atividades na região
ES – Sobre o plano previsto para a pesca camaroeira na região, mesmo entendendo ser uma pesca bastante agressiva e problemática, ainda assim não foi idealizado algo para a população e para o banco de camarões [da foz – o banco camaroeiro da foz é um dos maiores do Brasil] e pesca estuarina na foz do São Francisco.

Fica claro que deveriam estudar mais os artigos técnicos sobre os problemas da região. Foi abordada a pesca do atum, mas não se falou sobre a pesca camaroeira, do massunim (molusco bivalve muito popular na culinária regional) na região de Feliz Deserto (AL).

Riscos possíveis

ES – Havendo um vazamento, com as diminuições de vazão no estuário, haverá, sim um problema, a depender das correntes [marinhas] para toda a região entre Coruripe (AL) e as praias do litoral norte de Sergipe, onde há redutos de tartaruga marinha.

Mais estudos são necessários

Deve ser previsto um plano de monitoramento quando instaladas as plataformas de exploração. Estando na posição do IBAMA, e esta é uma observação pessoal, seriam exigidos mais dados e mais estudos voltados para as questões ambientais; sócio econômicas das atividades pesqueiras e culturas existentes na região, como plantios, aquicultura em Brejo Grande (SE) e também o turismo, que é um grande componente na economia.

Disponibilidade e comunicação das informações

ES – Faltam maiores publicização e comunicação dos dados. Notamos que as prefeituras não se fizeram presentes, com seus secretários de meio ambiente, pesca, saúde. Mais reuniões destas devem ser feitas, igualmente como consultas.

CERJ – Em dado momento o representante da ERM citou que havendo necessidade de encaminhamento de alguma solicitação, inclusive ao IBAMA, poderia ser utilizado o endereço eletrônico dedicado ao projeto pela empresa. Vemos isso como algo anômalo, voltamos a dizer. Há canais diretos entre a sociedade e o órgão licenciador (que é um ente do governo federal) e tais meios devem ser utilizados buscando a formalização das demandas.

Temos todas as razões para elevar nossas precauções e desconfiança ao mais alto patamar, conhecendo já há algum tempo as relações e efeitos da atividade da exploração/produção de petróleo na região. Ainda que sendo alegado o benefício do pagamento de royalties de petróleo para os municípios, uma visita com olhar nem muito aguçado aos municípios de Brejo Grande e Carmópolis, ambos em Sergipe, com atividade petroleira há dezenas de anos, indica que há algo bizarro, muito estranho.

Teria havido, de fato, consistente compensação – que se traduziria em igualmente consistentes, saudáveis melhorias de vida das pessoas – naquelas comunidades?

Nota – A reunião da ExxonMobil foi realizada e coordenada pela ERM – Environmental Resources Management, responsável pela comunicação social da ExxonMobil no projeto das atividades na foz do rio São Francisco.

Todas as pessoas físicas e jurídicas citadas têm espaço disponível para manifestações relacionadas à matéria publicada.


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Fontes

Canoa de Tolda – Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

ProOceano

ERM – Environmental Resources Management


Imagem em destaque: Reprodução ExxonMobil