por Andreia Vilhena, Daiane Batista e Eliane Bardanachvili | CEE Fiocruz

Às vésperas de um dos eventos internacionais mais esperados do ano, a COP 26 (Conference of the Parties), encontro anual da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima que começou em 1º de novembro em Glasgow, na Escócia, o físico Paulo Artaxo é taxativo ao se referir ao aumento dos eventos climáticos extremos que ocorrem no planeta. “Pelas projeções antigas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), imaginávamos que isso ocorreria no futuro. O futuro já chegou. O futuro das mudanças climáticas é hoje. Na verdade, é até ontem”.


A afirmação foi proferida durante o seminário Desafios da Mudança climática e ambiente e a Fiocruz do futuro, realizado em 20/10/2021 e transmitido pelo YouTube. Esse foi o terceiro evento preparatório do IX Congresso Interno da Fiocruz, instância máxima de representação institucional, que definirá suas diretrizes para os próximos quatro anos, com plenária marcada para dezembro.

O seminário, transmitido ao vivo e com ampla participação da Comunidade Fiocruz via Chat, teve como conferencista Artaxo, professor da USP e membro do IPCC, e contou ainda com a presença dos debatedores Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), representante do Brasil no GT do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, assim como da Fiocruz no Centro Colaborador da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) em Saúde Pública e Ambiente, e Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030. A mediação foi de Carlos Gadelha, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho. O próximo seminário de uma série de quatro, coordenada pelo CEE-Fiocruz, será no dia 10 de novembro e abordará os desafios da ciência e da inovação. O primeiro, sobre o mundo do trabalho, aconteceu no dia 15/9 e o segundo, sobre os desafios da saúde, no dia 6/10.

Assista na íntegra o vídeo do IX Congresso Interno da Fiocruz

“O tema do seminário de hoje, mudança climática e ambiente, é incontornável para pensarmos não só a Fiocruz do futuro, como a sociedade do futuro. Não é mais possível dissociar as questões ambientais de questões de saúde, de questões da sociedade”, ressaltou Nísia na mesa de abertura. Ela participou do evento estando na Fiocruz Amazonas, ao lado da diretora da unidade Adele Benzaken. “Cada vez mais ganha corpo a consciência da interpenetração de todos esses temas e a Fiocruz trabalha com essa perspectiva há muito tempo, mas ela se tornou ainda mais evidente a partir da atual crise sanitária”, disse Nísia, ponderando que “a grande preocupação é o que fazer para reverter tendências de perda de qualidade de vida e de qualidade da experiência humana neste planeta”. Ao sublinhar o comprometimento da instituição com o tema, ela lembrou que no mês de outubro (6/10/2021), a Fiocruz assinou a Declaração de São Paulo sobre Saúde Planetária, uma iniciativa da Aliança de Saúde Planetária (que reúne 250 universidades, organizações não governamentais, institutos de pesquisa e entidades governamentais) e da Universidade de São Paulo, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A coalização destaca a importância de uma nova orientação ambiental em escala planetária, em prol da saúde e do bem-estar de todas as pessoas.

Participaram da mesa de abertura Mario Moreira, coordenador da comissão organizadora do Congresso Interno, e Juliano Lima, chefe de Gabinete da Presidência, que também integra a comissão. Moreira lembrou que o documento-base que dá início às discussões rumo à consolidação do documento final em dezembro já está circulando na Fiocruz e que estão sendo organizadas a consulta pública com a sociedade civil para contribuições, assim como a plenária, a ser realizada em dezembro, com os principais pontos a serem considerados pelo congresso. Lima destacou a importância de ser feita uma grande mobilização da comunidade Fiocruz para a eleição dos delegados que estarão na plenária em nome das unidades.

“Esse é o maior destaque que a mudança climática e do ambiente já teve na história do Congresso Interno da Fiocruz”, observou Gadelha, sublinhando a missão dos debatedores de trazerem para a discussão o que se coloca como desafio para a Fiocruz e para a sociedade.

Artaxo abriu sua conferência ressaltando que “pensar estrategicamente é fundamental não só para o país como para a Fiocruz, pensar qual Brasil, qual planeta queremos, e como construir um planeta sustentável com mais saúde”. Em seguida, o pesquisador orientou sua apresentação com base nos resultados do último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, ressaltando que o foco do documento de 4.890 páginas, produzido por mais de 7 mil cientistas, é alertar o mundo sobre a necessidade premente de se reduzir emissões de gases de efeito estufa. O texto mostra ser “indiscutível que as atividades humanas estão causando mudanças climáticas, tornando eventos climáticos extremos, como ondas de calor, chuvas fortes e secas, mais frequentes e severos”, disse Artaxo.

Na avaliação do pesquisador, o documento repleto de frases fortes é o que traz a mensagem mais clara sobre a crise ambiental entre todos os produzidos pelo IPCC nos últimos 30 anos. No entanto, sublinhou que ele não deve ser visto como “apocalíptico, e sim como um alerta para a humanidade”.

Uma das frases do texto, destacadas por Artaxo, chama a atenção para o fato das mudanças recentes no clima serem generalizadas, rapidamente intensificadas e sem precedentes em pelo menos 6.500 anos. Outra frase do relatório, recortada por ele, alerta que: “se não houver reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento a 2,0ºC pode ser impossível.”

O relatório indica, de acordo com o pesquisador, que as mudanças climáticas já estão afetando todas as regiões da Terra e os impactos aumentarão com o aquecimento. Mas Artaxo ressaltou que os mais pobres serão os mais prejudicados, embora os mais ricos sejam os maiores emissores de gases de efeito estufa. “Algumas dessas mudanças já são irreversíveis”, explicou, “algumas podem ser retardadas e outras, interrompidas, se limitarmos as emissões”. Segundo o pesquisador, “é a primeira vez que o IPCC aprofunda a questão do impacto dos eventos extremos que têm fortes implicações sobre a saúde”.

Para limitar o aquecimento global, ele advertiu que o relatório do IPCC recomenta que sejam feitas reduções fortes, rápidas e sustentadas de CO2, metano e outros gases de efeito estufa. “Isso não só reduziria as consequências das mudanças climáticas, mas também melhoraria a poluição do ar nas cidades”, explicou. O documento, segundo o pesquisador, reforça as preocupações da OMS, “que tem colocado de maneira forte a necessidade de ação conjunta entre redução de poluição do ar e mitigação de emissões globais”.

Brasil tem vulnerabilidades gigantescas diante da crise ambiental

Em relação ao Brasil, o relatório do IPCC, disse Artaxo, mostra que as vulnerabilidades do país são maiores do que se imaginava. “Observa-se que o Brasil está se tornando mais seco, em especial no Vale do São Francisco e no Nordeste brasileiro”, exemplificou, explicando que na Região Nordeste há uma redução de 30% a 40% na precipitação. “Uma região que era semiárida pode estar se tornando árida, na qual a sobrevivência de milhões de brasileiros pode ficar muito comprometida”, informou.

Para se ter ideia dos acontecimentos futuros, o pesquisador sublinhou a importância de se conhecer a cadeia de eventos que levam às mudanças climáticas. Conforme as emissões de dióxido de carbono vão aumentando com as atividades humanas, explicou Artaxo, a proporção de CO2 normalmente reabsorvida pela natureza vai diminuindo. Os oceanos perdem a capacidade de reabsorver o CO2 e os ecossistemas terrestres ficam limitados na realização da fotossíntese, responsável pela transformação desse gás em oxigênio. “Isso altera o balanço de radiação do planeta, levando ao aquecimento global, que, por sua vez, causa alterações no perfil da precipitação, no perfil da temperatura e assim por diante”, enumerou.

Artaxo apresentou projeções de temperatura média do planeta em diferentes cenários desenhados pelo IPCC. No cenário mais otimista, seria registrado aumento de 1,4 a 1,9 graus. E mantendo as emissões atuais, o aumento chegaria a 4,3 graus. “Se permitirmos que em média a temperatura do planeta aumente 4 graus, o Brasil registrará um aumento de temperatura de 5,5 graus; na região do Ártico e do Canadá, o aumento será maior do que 7 graus. São cenários que têm impactos na saúde e na economia, em toda a nossa civilização”, avaliou.

Os quatro graus a mais, conforme alertou o professor, provocarão, por exemplo, na maior parte do Brasil Central e da Amazônia, uma redução de chuvas de 20% a 30%. “A região onde, hoje, o agronegócio brasileiro prospera vai se tornar mais seca, provavelmente, com menor produtividade”, informou Artaxo. A umidade do solo, continuou, “sofrerá redução em toda área do Brasil Central, assim como na região mediterrânea da Europa, continente africano, América Central e Estados Unidos, aumentando as migrações”.

Já apontado em publicações da Embrapa e do Fórum Econômico Mundial, o déficit hídrico é um dos impactos das mudanças climáticas, no Brasil, em curso, explicou o pesquisador. “Enquanto, nas últimas duas ou três décadas, as regiões com déficit hídrico muito alto limitavam-se ao Nordeste brasileiro, agora está havendo um deslocamento para o Brasil Central”, continuou Artaxo, prevendo uma queda de até 40% na produtividade agrícola em um cenário de aumento de temperatura de até 3º C. “Como vamos alimentar dez bilhões de pessoas em 2050?”, indagou. Essa e outras questões relacionadas com as mudanças climáticas, em sua avaliação, precisam entrar no planejamento estratégico brasileiro.

Em 2021, o país experimentou alguns exemplos de eventos climáticos extremos. Artaxo citou, além da crise hídrica que atingiu a área do Planalto Central brasileiro, a cheia registrada no Rio Negro, na Amazônia, a maior da história desde o início dos registros, em 1902. Com o aquecimento global, ele alertou que esses eventos extremos serão cada vez mais frequentes, provocando enorme impacto socioeconômico.

Em relação à Amazônia, o pesquisador destacou ainda que lá estão armazenados cerca de 110 bilhões de toneladas de carbono, “o correspondente a dez anos de emissão de todos os combustíveis fósseis que queimamos hoje por ano”. A resposta desse ecossistema ao aquecimento global é a liberação de carbono à atmosfera. Portanto, além do papel do desmatamento, ele ressaltou que “o aquecimento global também faz com que a Amazônia se torne uma fonte de carbono. Muitos trabalhos realizados por brasileiros inclusive mostram que esse processo já teve início”, disse Artaxo.

O aumento do nível do mar por causa do degelo dos extremos norte e sul do planeta foi mais um dos fenômenos decorrentes do aquecimento global analisados pelo IPPC e sublinhados por Artaxo. “O IPCC mostra que o aumento do nível do mar pode chegar a 1,7 metro”, assinalou, prevendo impactos de grande proporção no Brasil. “Um porto como o do Rio de Janeiro, por exemplo, vai requerer gigantescos investimentos em infraestrutura”, observou.

Como demostrou o pesquisador, o Brasil tem vulnerabilidades gigantescas diante desse contexto de crise ambiental. Portanto, a redução das emissões e a adaptação às mudanças climáticas irão, em sua opinião, “requerer governos que pensem em uma estratégia de país de longo prazo”. Ele exemplificou: “Se, há dez anos, tivéssemos investido em energia solar e eólica, particularmente, no Nordeste, não teríamos uma crise energética tão séria quanto a que estamos passando”.

Paulo Artaxo lembrou, ainda, que um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 trata da ação contra a mudança global do clima e os demais dependem de um clima estável para serem atingidos com políticas públicas eficientes.

Quanto a termos saída para o cenário traçado no relatório do IPCC, a resposta de Paulo Artaxo é: sim. “Não precisamos desenvolver uma saída nova. Temos automóveis elétricos mais eficientes do que os movidos a gasolina; a geração de eletricidade solar e eólica tem preços competitivos, enfim, há muitas saídas tecnológicas que já estão em nossas mãos. Basta implementá-las”.

Para o professor, o recado do IPCC é claro. “Temos duas opções: ou mudamos o modelo socioeconômico que nos trouxe até aqui e que é insustentável, ou mudamos esse modelo”, significando que não há alternativa. “Se não mudarmos nosso modelo de desenvolvimento concentrador de renda, com superexploração de recursos naturais e de mão de obra barata”, avaliou Artaxo, “nenhum país vai ter futuro. Isso vale para o Brasil e para o planeta como um todo”.

A pesquisadora Sandra Hacon, uma das convidadas como debatedora do seminário, destacou em sua exposição a gravidade dos impactos das mudanças climáticas. “Os impactos das mudanças climáticas influenciam os ecossistemas, os ciclos biológicos, hidrológicos, geográficos e químicos, os quais podem modificar o perfil epidemiológico de doenças já existentes, assim como de doenças reemergentes”, explicou, lembrando que as alterações ambientais são fatores determinantes para o aumento da incidência de zoonoses, que respondem por cerca de 75% das doenças infecciosas emergentes.

A gravidade desses impactos sobre a saúde humana, segundo a pesquisadora, “depende do estado geral de saúde das populações expostas que, por sua vez, depende dos determinantes sociais da saúde, assim como da governança socioambiental, de políticas públicas e dos rumos do modelo de desenvolvimento do país”. Por isso, ela sublinhou que estudos e pesquisas na área de mudanças climáticas necessitam de uma integração multi e interdisciplinar, devendo ter como foco grupos populacionais mais vulneráveis da população e considerar diferentes cenários de aquecimento, assim como as especificidades das regiões, biomas, áreas urbanas e rurais.

A complexa heterogeneidade do país, que se manifesta em diferentes particularidades, explicou a pesquisadora, torna o desenvolvimento de estudos e pesquisas nas áreas de mudanças climáticas e saúde no Brasil um grande desafio para a comunidade científica. “Essas características interferem diretamente na resiliência individual e coletiva das populações expostas às mudanças climáticas e contribuem para limitar a inferência dos resultados de pesquisas”, disse, apontando para a necessidade de se avançar em estudos e pesquisas que integrem vulnerabilidades sociais e ambientais, riscos e impactos à saúde decorrentes dos eventos extremos, assim como nos serviços ecossistêmicos.

Nessa linha de investigação, a pesquisadora mencionou alguns temas que deveriam ser mais estudados como: riscos e impactos da exposição crônica às secas prolongadas; as doenças transmitidas por vetores e pela água; estudos taxonômicos que reforcem a importância da biodiversidade; impactos da desertificação nos biomas brasileiros e seus efeitos sobre a saúde e os impactos à saúde decorrentes dos riscos de salinização em rios da Amazônia e do Semiárido.

As consequências para a saúde pública da população brasileira devido ao aumento da temperatura acima de 3°C, ela disse que ainda são difíceis de prever, principalmente devido às condições de vulnerabilidades dos grupos mais sensíveis, como: idosos, crianças menores de 5 anos, gestantes e pessoas portadoras de múltiplos fatores de risco. Ao tocar no assunto dos grupos mais vulneráveis, Hacon chamou a atenção para o aumento da população de idosos no Brasil, que “atualmente corresponde a 12,5% do total da população, com perspectivas de alcançar 30% até a metade do século”. De acordo com sua avaliação, o país não está preparado para atender essa população e “a situação dos idosos tende a piorar com o cenário das mudanças climáticas, principalmente em relação às doenças crônicas não transmissíveis”.

Nos últimos 15 anos, a pesquisadora assinalou que diversos eventos extremos foram registrados no país. “Estima-se que aproximadamente 40 milhões de pessoas tenham sido afetadas por algum desses eventos, como secas, enchentes ou temperaturas extremas”, avaliou, ressaltando que os impactos sobre a saúde “tendem a ser exacerbados, não apenas como consequência das mudanças climáticas, mas pela soma dos problemas estruturais das desigualdades sociais no país”.

Assim como Artaxo, Sandra ressaltou que as comunidades pobres são especialmente vulneráveis, “em particular aquelas concentradas em áreas de alto risco de enchentes”. Segundo a pesquisadora, estudos recentes confirmam que “os impactos se distribuem em termos de severidade do dano, em função das desigualdades sociais, ambientais e econômicas, por causa das múltiplas tensões e da baixa capacidade de adaptação das populações expostas”, assim como da maior dependência dos mais pobres “aos recursos do Estado, como oferta local de água, serviços de saúde, alimentos e infraestrutura básica”. Sandra lembrou, ainda, que “as injustiças sociais e os conflitos socioambientais estão presentes na maioria dos territórios afetados pelas mudanças climáticas”.

Em seguida, a pesquisadora afirmou que “todas as dimensões da saúde e do bem-estar humano serão afetadas pelas mudanças ambientais globais em maior ou menor proporção” e, citando a Declaração de São Paulo sobre Saúde Planetária, conclamou a todos para uma mudança fundamental na forma como vivemos na Terra, denominada no documento como “grande transição”. Alcançar essa transição, explicou Hacon, “exigirá mudanças estruturais rápidas e profundas na maioria das dimensões da atividade humana”.

Tais mudanças, continuou, incluirão “a maneira como produzimos e consumimos alimentos, energia e produtos manufaturados; a forma como construímos e vivemos nas cidades e no campo”, assim como “a inclusão social, como pensamos e medimos o crescimento econômico, progresso e desenvolvimento, e, ainda, governamos a nós mesmos”. A pesquisadora destacou que o documento ressalta a necessidade de se “repensar nossos valores, as inter-relações dentro da natureza e uns com os outros”. Em seguida, falou também da importância de se resgatar “a sabedoria dos povos tradicionais da floresta, do campo e das águas”, que “tão bem conhecem e vivenciam as inter-relações ambiente-saúde e bem-estar”, além de dar voz a todas as comunidades e movimentos sociais, pois “precisamos reconhecer que essas mudanças são urgentes”.

Ao lembrar que a pandemia trouxe um aumento da percepção e consciência sobre a gravidade dos impactos climáticos para a sociedade e para todos os setores da economia, Sandra Hacon sublinhou a necessidade de se avançar na implementação de políticas de mitigação e adaptação às mudanças em prol da saúde pública, por meio de “co-benefícios”. Entre elas, Hacon citou, por exemplo, o desenvolvimento de moradias com maior eficiência energética, a promoção de escolhas alimentares mais saudáveis, a redução da poluição do ar e a ampliação do acesso ao saneamento básico.

A pesquisadora chamou a atenção, também, para as consequências não intencionais na saúde humana de ações compensatórias para fazer frente às mudanças do clima. Tais ações, segundo Hacon, envolvem muitas vezes a exportação de impactos negativos para outras regiões ou países, podendo agravar as desigualdades. Em sua avaliação, esses impactos poderiam ser mitigados com o desenvolvimento de tecnologias e políticas bem elaboradas.

A Agenda 2030 e sua comunidade científica têm contribuído, em sua opinião, com avanços capazes de produzir conhecimento e fomentar políticas públicas de desenvolvimento socioambiental e socioeconômico, para formulação de estratégias regionais e nacionais de detecção, atribuição, mitigação e adaptação aos efeitos adversos das mudanças climáticas. No entanto, no seu entender, a implementação dos ODS presentes na Agenda terá seu prazo concluído em 2030, “sem que o Brasil verdadeiramente tenha avançado no cumprimento de suas proposições”.

Do ponto de vista nacional, a pesquisadora considera que “nunca se vivenciou tantos e graves problemas ambientais como nos últimos anos” e indagou: “Qual está sendo o impacto para a saúde da desgovernança ambiental?”

Por fim, a pesquisadora ressaltou a importância da construção de uma proposta estratégica de saúde e mudanças ambientais globais que inclua a transição para uma economia de baixo carbono, na qual as alterações climáticas tenham papel de destaque no contexto da saúde. A Fiocruz, com seu corpo de profissionais em todas as áreas do conhecimento, poderá, em sua opinião, ter um papel de destaque na construção de um programa nessa linha. “Por meio das redes de pesquisa, serviços e ensino, ela tem as condições necessárias para liderar essa iniciativa para a América do Sul e incorporá-la ao projeto de reconstrução do país, onde a saúde, efetivamente, seja um direito de todos e a ciência, a tecnologia e a inovação sejam consideradas bens públicos de máxima relevância”, concluiu.

“É nesse momento que a Fiocruz coloca em suspensão suas certezas para pensar sua reinvenção”, destacou o coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, Paulo Gadelha, em sua exposição como debatedor, ao falar da importância do congresso interno da instituição. Como explicou, “o congresso interno constituiu, desde sua primeira edição, todo o arcabouço contemporâneo da Fiocruz, seu processo democrático e a ideia de uma ação coordenada e coletiva que proponha a cada quatro anos seus grandes marcos”.

Em relação às mudanças climáticas, Paulo Gadelha ressaltou que o tema foi escolhido para integrar a série de eventos preparatórios para o congresso interno por se constituir em um dos assuntos contemporâneos mais relevantes, contribuindo para “atualizar o sentido e a missão” da Fiocruz.

Paulo Gadelha relembrou alguns momentos marcantes da trajetória da instituição e sua participação no enfrentamento de grandes desafios da história do país. Ele citou, por exemplo, o trabalho dos pioneiros de Manguinhos no início do século XX; a contribuição da instituição na construção do Sistema Único de Saúde (SUS) na década de 80 e, mais recentemente, “agregando o componente fundamental que é o Complexo Industrial da Saúde, e pensando cada vez mais, de uma maneira integrada, temas como a questão climática e ambiental”.

Para o coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, a participação da instituição no processo da atual pandemia demonstrou o quão ela é fundamental para uma maior “capacidade de resposta do país, dada a sua configuração, sinergia e seu caráter nacional”. Entretanto, ele chamou a atenção para o fato da questão ambiental ter sido incorporada tardiamente na prioridade do programa de saúde pública e que “é preciso recuperar com urgência esse tempo perdido”.

Ao sublinhar a gravidade da atual crise ambiental, Paulo Gadelha fez referência ao relatório especial da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a COP26, sobre mudanças no clima e saúde, que coloca a questão climática como a maior ameaça global à saúde humana. “A crise climática ameaça aniquilar o trabalho realizado dos últimos 50 anos na saúde global e na redução da pobreza, ampliando as iniquidades em saúde”, destacou. Nesse contexto, considera o Acordo de Paris como o mais impactante acordo de saúde do século XXI, e fundamental para o enfrentamento da atual crise sistêmica.

Em relação à atuação da Fiocruz frente à atual crise ambiental, Paulo Gadelha ressaltou a importância de a instituição ter estabelecido a Estratégia Fiocruz para Agenda 2030, elegendo o tema Agenda 2030 como central para referenciar o desenvolvimento institucional e seu programa de trabalho. “A Agenda 2030 é universal, indivisível e integrada, e o desenvolvimento sustentável dialoga muito fortemente com a matriz da instituição”, explicou, lembrando que o conceito traz em seu bojo a noção de equidade.

Paulo Gadelha concluiu sua exposição ressaltando, ainda, a importância de dois temas centrais e importantes para o debate: a defesa do SUS e a defesa do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia centrado na Agenda 2030. “É preciso entender que a Agenda 2030 não se limita a uma tese, ela é bem mais ampla e estratégica. E a Fiocruz deve ser não só protagonista da implementação da Agenda, mas tomá-la como referencial privilegiado para seu próprio desenvolvimento institucional e o congresso interno tem essa tarefa e função”.

Após as exposições, a presidente da Fiocruz sublinhou a necessidade de uma conscientização de nossa interdependência, e de que o único caminho para lidar com a atual crise ambiental “é mudar o rumo” do desenvolvimento. Ao abordar a transição proposta nas exposições e debates do seminário, questionou: “Estamos fazendo uma transição para quê, para onde, para que modelo, uma vez que as desigualdades perpassam essa discussão”.

Para embasar sua reflexão, ela citou o historiador e filósofo húngaro, Karl Polanyi, autor da obra clássica A grande transformação, que faz uma análise sobre o capitalismo do século XIX e seu impacto na primeira metade do século XX. “Ele considerou que a transformação se daria pela emergência de pensamentos que colocaram, no centro das discussões, a desigualdade gerada e as lutas sociais relacionadas a essa consciência”, disse Nísia, concluindo que uma visão mais esperançosa do futuro, em seu entender, “se dará em torno desses novos pensamentos, que passam por muitas vozes e muitos conhecimentos”. Para ela, as instituições de conhecimento e tecnologia, como a Fiocruz, têm a obrigação e a missão de contribuir para uma agenda de futuro. “É disso que trata o nosso congresso interno”, concluiu.


Fontes

CEE – Fiocruz


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