por Bruno Milanez e Luiz Jardim Wanderley | Le Monde Diplomatique Brasil

A mineração possui várias relações com as mudanças climáticas. Por exemplo, o grande uso de combustíveis fósseis nas operações de escavação ou de eletricidade no beneficiamento. Contudo, nesse artigo vamos nos deter a dois outros aspectos também relevantes: o apoio governamental ao setor do carvão e a contribuição da mineração para o desmatamento na Amazônia.


Na última semana, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), lançou seu sexto relatório de análise reforçando mensagens que já vêm sendo anunciadas há muitos anos. Entre suas afirmações mais contundentes, o relatório deixa claro que “não existe retorno para algumas mudanças no sistema climático, embora algumas alterações possam ainda ser freadas e outras interrompidas, se limitarmos o aquecimento global”. Além disso ele alerta que “é indiscutível que atividades humanas estão causando mudanças climáticas e tornando eventos climáticos extremos como ondas de calor, chuvas torrenciais e secas mais frequentes e severas”.

A mineração possui várias relações com as mudanças climáticas. Poderíamos falar, por exemplo, do grande uso de combustíveis fósseis nas operações de escavação (há equipamentos que consomem até 400 litros de combustível por hora) ou de eletricidade no beneficiamento (a cadeia minero-metalúrgica consome o equivalente a 11% do total da energia elétrica no Brasil). Esses temas são importantes e devem ser discutidos em profundidade, mas aqui vamos nos deter a dois outros aspectos também relevantes: o apoio governamental ao setor do carvão e a contribuição da mineração para o desmatamento na Amazônia.

Na segunda-feira, 9 de agosto, curiosamente no mesmo dia em que o IPCC lançou o seu relatório, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou a Portaria 540/2021 GM/MME que detalha o Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional. O programa do MME teve menos pompa e uma cobertura menor que as notícias do IPCC, talvez o ministério tenha se acovardado diante da possível repercussão negativa da iniciativa. Aparentemente o fato de regiões do Canadá, Estados Unidos, Argélia, Turquia, Grécia e Itália estarem sendo destruídas por incêndios descontroladas ou de partes da Alemanha, Bélgica e China terem sido devastadas por inundações históricas não foi suficiente para superar o negacionismo climático do MME.

Ignorando que a ideia de um “uso sustentável de carvão mineral” é uma contradição em termos, por mais flexível que seja o entendimento de “sustentável”, o programa defende a criação de uma modalidade de contratação de energia elétrica pelo governo que seja específica para a geração por carvão mineral. Além disso, ele sugere a priorização do uso de recursos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para P&D em carvão mineral. Ou seja, ao invés de investir no desenvolvimento tecnológico de fontes renováveis de energia elétrica, indica que se dê preferência para uma não-renovável. Entre suas justificativas, o programa defende a necessidade de apoiar a implantação de novas termelétricas a carvão pelo fato de o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ter direcionado sua política de crédito para fontes renováveis de energia. Ou seja, o MME intencionalmente esvazia uma das poucas políticas existentes no país de mitigação das mudanças climáticas.

Embora a participação do carvão na matriz energética brasileira seja pequena, essa iniciativa chama a atenção por ir no sentido diametralmente oposto às propostas que estão sendo desenvolvidas em todo o mundo para combater as mudanças climáticas. Ainda, ela contraria o entendimento generalizado da necessidade do fechamento e desinvestimentos em plantas energéticas movidas a carvão, por seu alto potencial emissor de gases de efeito estufa. Segundo o Observatório do Clima, o município de Candiota apresentou o pior índice de emissão do Rio Grande do Sul, sobretudo por conta das duas usinas termoelétricas movidas a carvão. Preocupa ainda mais a perspectiva de duas novas usinas e a expansão das antigas na municipalidade, que também é importante local de extração mineral.

Mas não é só nesse contexto que a mineração se envolve com o aquecimento global. Ao mesmo tempo, ela também está profundamente associada ao desmatamento da floresta amazônica, uma questão muito mais sensível para a sociedade e que chama a atenção de pessoas ao redor do mundo.

Bruno Kelly/Amazônia Real
Área de garimpo na região do rio Uraricoera na Terra Indígena Yanomami.

No caso específico do desmatamento é importante destacar que os impactos que o Brasil já vem sofrendo (particularmente em relação à crise hídrica e ao risco de apagão) se devem também a mudanças em escala regional. Por um lado, as simulações do IPCC já indicam, com alta confiabilidade, que a elevação da temperatura global levará ao aumento das secas ecológicas e agrícolas na região central da América do Sul (que inclui o Centro-oeste brasileiro). Por outro, há fortes sinais de que o aumento do desmatamento da Amazônia está impactando os rios voadores, fenômeno climático que garante a transferência da umidade da Amazônia para o Cerrado e abastece boa parte das bacias hidrográficas do país. Em outras palavras, a destruição da floresta Amazônica estaria associada à redução do volume das chuvas e, consequentemente, à diminuição do volume nos rios na porção sul do país. Cabe ressaltar ainda que os requerimentos minerais (pedidos para pesquisa e lavra) protocolados na Agência Nacional de Mineração (ANM) que se localizam no bioma Cerrado totalizam 16% do seu território e, se levados adiante, poderão comprometer ainda mais o já crítico abastecimento de água no país.

A Amazônia é vista pelo setor mineral como fronteira de expansão e é para lá que muitos dos novos projetos se destinam. Atualmente, os requerimentos minerais registrados na ANM já respondem por 22% do território do bioma e devem gerar muita pressão na região. Só de áreas de lavra em operação ou autorizadas a iniciar extração são quase 2,6 milhões de hectares. Nesse sentido, é importante levar em consideração que a dinâmica de ocupação da mineração é distinta daquela do agronegócio. Enquanto a agropecuária “come pelas beiradas”, as empresas mineradoras se orientam pela concentração dos minérios e, assim, acabam por instalar projetos em áreas mais remotas e preservadas. Não por acaso, as concessões de extração mineral, ameaçam 11% da área de florestas intactas do mundo. Essa lista é liderada pelo Brasil, que é responsável por 41% dessas concessões e 60% do total da área ameaçada em todo o globo.

Parte do desmatamento é causado pela mineração ilegal, que não é devidamente combatida pelo governo atual e, em muitas situações recebe seu apoio. Como consequência da política recente, benevolente com a extração ilegal, a taxa de desmatamento anual causado pela atividade ilegal na Amazônia praticamente dobrou entre 2017 e 2020. O mais preocupante é que boa parte dessas degradações está em áreas remotas e preservadas, como terras indígenas e áreas de protegidas.

Entretanto, o desmatamento não é apenas devido à mineração ilegal, e as atividades regulares também devem ser responsabilizadas. Projetos minerais podem aumentar significativamente a perda florestal a uma distância de até 70 km das minas. Assim, operações minerais de grande escala na Amazônia podem gerar um desmatamento até 12 vezes maior do que a área da lavra concedida. Como consequência, esses projetos foram responsáveis por 9% do desmatamento na região entre 2000 e 2015. Inclusive, se o Projeto de Lei 191/2020 apresentado pelo Governo Federal, que pretende regularizar a mineração em Terras Indígenas, for aprovado, se estima um incremento de 20% no desmatamento decorrente da mineração na Amazônia.

Vivemos uma crise climática, hídrica e energética. Contudo, o MME, adotando uma postura negacionista, decide deliberadamente apoiar um dos principais setores culpados por essa situação. Ao mesmo tempo, a expansão desenfreada da mineração na Amazônia tende a ampliar significativamente o desmatamento e, consequentemente, aprofundar os eventos climáticos extremos no futuro. Portanto, a sociedade precisa refletir até que ponto faz sentido derrubar a floresta e minerar, acelerando as mudanças climáticas e comprometendo o abastecimento de água do país, para suprir siderúrgicas poluidoras chinesas ou alimentar o mercado especulativo do ouro.

Bruno Milanez é professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e Luiz Jardim Wanderley professor da Universidade Federal Fluminense. Ambos coordenam o Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS) e integram o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.


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