por Heitor Scalambrini Costa
De 6 a 15 de novembro próximo, será realizada a 27ª Conferência do Clima, organizada pelas Nações Unidas. A frustração é grande, pois todas outras Conferências ocorridas nos últimos anos resultaram insuficientes para reduzir as emissões de GEE’s, principal responsável pelo aquecimento global, e cujos aspectos mais óbvios envolvem os combustíveis fósseis e o desmatamento.
O sistema climático da Terra tem uma história de transformações, de aquecimento a resfriamento. Nos dias atuais estamos vivenciando mudanças impulsionadas pelos impactos das atividades humanas com seu modo de vida consumista, perdulário e de completa falta de respeito aos direitos da natureza.
Para enfrentar este ciclo de aquecimento global são necessárias intervenções drásticas e rápidas, não somente com relação ao combustível fóssil (petróleo e derivados, gás natural e carvão mineral), que usamos e como usamos, e que deve ser substituído na matriz energética mundial por fontes renováveis de energia (sol, água, vento, biomassa). Mas também mudar o estilo de vida, e manter uma relação respeitosa e harmoniosa com o meio ambiente.
Várias tentativas não tiveram êxito a nível mundial de criar uma governança para enfrentar as mudanças climáticas, que sem dúvida alguma é o maior desafio da humanidade. O que estamos presenciando é que a crise climática e ecológica está acontecendo aqui e agora, muito mais cedo do que o esperado.
Uma vasta documentação científica produzida, e os alertas seguidos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), mostram que as emissões médias de Gases de Efeito Estufa (GEE’s) continuam aumentando, atingindo os níveis mais altos da história.
Vale destacar recente declaração do secretário-geral das Nações Unidas António Guterres, com relação ao novo relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho II do IPCC, como um “atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória da falha de liderança climática”, classificando o relatório como “um arquivo da vergonha, catalogando as promessas vazias que nos colocam firmemente no caminho para um mundo inabitável”.
De 6 a 15 de novembro próximo, será realizada a 27ª Conferência do Clima, organizada pelas Nações Unidas. A frustração é grande, pois todas outras Conferências ocorridas nos últimos anos resultaram insuficientes para reduzir as emissões de GEE’s, principal responsável pelo aquecimento global, e cujos aspectos mais óbvios envolvem os combustíveis fósseis e o desmatamento.
Nesta COP27 serão, mais uma vez, cobrados dos países as metas de redução de emissões até 2030, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (em inglês, NDCs), que devem ser cumpridas e alinhadas com a meta estabelecida em 2015 pelo Acordo de Paris, para limitar o aumento da temperatura global a 1,5º C.
A poucos dias do início da Conferência, somente 26 países manifestaram, assumindo compromissos mais ousados para redução dos GEE’s. Entre os principais emissores, o Brasil não apresentou até o momento seus planos climáticos, que necessitam de apoio de políticas públicas para atingirem seus objetivos.
Na contramão de seus compromissos voluntários, o atual governo brasileiro tem priorizado ações contrárias ao cumprimento dos acordos internacionais. A falta de ações concretas deve fazer o país reprisar o papel de pária internacional na COP27, como já aconteceu na COP25, COP26. O que se verifica nos últimos anos são decisões que representam políticas nefastas, que contribuem e não combatem as mudanças climáticas. Eis algumas delas:
Desmatamento crescente nos biomas
No Brasil, a principal causa das emissões de GEE’s, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), é o desmatamento, representando quase 50% de todas as emissões. O crescimento desta atividade, majoritariamente ilegal, tem sido monitorada pelo Instituto de Pesquisa Espacial (INPE). Lamentavelmente, os órgãos públicos federais, que deveriam combater e reprimir tais práticas, foram completamente desfigurados, quer pela ocupação de dirigentes descompromissados com a preservação ambiental, quer pela redução drástica dos repasses federais. Os números estão aí para comprovar a completa falta de engajamento do atual governo federal, que insiste em mentir para a comunidade internacional, e assim não cumprir suas responsabilidades. Narrativas oficiais geram a desinformação a respeito da Amazônia, e de outros biomas, negando o que a ciência tem afirmado, e o que se tem verificado de fato.
Incentivo ao carvão mineral (combustível fóssil poluente e perigoso para a saúde, e para o meio ambiente)
A desativação de termelétricas a combustíveis fósseis, especialmente aquelas que queimam carvão mineral, é uma das ações em andamento no mundo inteiro, como parte dos esforços globais de descarbonização do planeta. Durante a COP26, em Glasgow/Escócia, o Brasil assumiu, ao lado de mais de 40 países, o compromisso de eliminar o uso do carvão para gerar eletricidade. Todavia, no início de 2022, o governo federal sancionou o Programa de Transição Energética Justa que garantiu a contratação, até 2040, da energia gerada por termelétricas a carvão. De fato, determinou a prorrogação dos contratos das usinas. Isso quer dizer que continuarão gerando energia para o sistema elétrico nacional. É o dinheiro público que financia a poluição e a destruição ambiental promovida pela indústria carbonífera. Em 2021 foram mais de 750 milhões de reais de subsídios a esta atividade que contribui muito para o efeito estufa, e consequentemente para o aquecimento global.
O desestímulo à geração distribuída (GD)
A Lei 14.300/2022 criou o Marco Legal da Geração Distribuída (GD). O ponto central desta mudança foi de que tudo que o sistema gerador produzia era injetado na rede, e poderia ser consumido sem pagar taxas (somente as taxas tributárias PIS e COFINS são cobradas). Todavia, a partir do dia 07/01/2023, o sistema de compensação será parcial. A partir desta data será necessário pagar o Fio B à distribuidora, que equivale em média 30% da redução desse crédito injetado. Sem dúvida, esta mudança proporcionada e defendida pelas distribuidoras (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica-ABRADEE), vai interferir no mercado da GD, tornando os sistemas fotovoltaicos de até 3 MW, mais caros, menos atrativos. Tudo para favorecer as distribuidoras. Este aumento no custo do sistema ficou conhecido como “taxa do Sol”. Outro aspecto que merece destaque foi a retirada dos enquadramentos de projetos de micro e mini GD de programas como o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), Fundos de Investimento em Participação (FIP) e debêntures incentivadas. Assim os projetos de GD não serão financiados por estes mecanismos. Outra mudança de desestímulo para o consumidor de sistemas de GD.
Aumento do uso das termelétricas a gás natural
O Brasil aumentou em 77% a geração de energia elétrica por meio das usinas termelétricas a combustíveis fósseis de 2020 a 2021, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Os dados foram publicados no Inventário de Emissões Atmosféricas em Usinas Termelétricas. O crescimento do uso de combustíveis fósseis para produzir eletricidade vai na contramão dos objetivos globais de reduzir as emissões GEE’s. Dentre as fontes fosseis foi o gás natural quem apresentou o maior crescimento nos últimos 20 anos. Mesmo gerando menos GEE’s, comparando com o carvão mineral, não deixa de ser um combustível altamente poluente, e que precisa ser substituído por fontes renováveis. O avanço das termelétricas a gás é notório. A lei que tratou da privatização da Eletrobras prevê a contratação de 8 GW de termelétricas a gás. O que mostra o avanço desta tecnologia na matriz elétrica nacional. Segundo a Agencia Internacional de Energia (AIE), a queima de uma tonelada equivalente de petróleo (tep) de gás natural produz 2,12 toneladas de CO2.
A frouxidão no licenciamento ambiental e na fiscalização de complexos eólicos
A energia eólica em grande escala, tem tido um crescimento espantoso no Brasil. Em 15 anos passou de 1 MW de potência instalada para 22 GW (812 parques eólicos, 9.200 aerogeradores, presente em 12 Estados), com complexos instalados em terra firme (onshore). Os impactos, conflitos e injustiças socioambientais estão presentes neste modelo de expansão da geração eólica, em particular no NE, onde concentra mais de 3/4 de toda potência instalada no país. Com regras frouxas de licenciamento, e falta de fiscalização, vários impactos socioambientais são detectados, e que poderiam ser evitados. Uma ampla bibliografia produzida na academia, pelos movimentos sociais está disponível sobre este tema. Todavia o governo federal, governos estaduais, aliados as empresas, insistem em não discutir e propor alternativas para tais problemas, o que tem provocado: aumento do desmatamento, problemas de saúde dos moradores próximos a estas instalações (https://infosaofrancisco.canoadetolda.org.br/noticias/energia-eolica/negocios-do-vento-nova-fronteira-de-desmatamento-do-semiarido/), alterações do nível hidrostático do lençol freático no processo de instalação da estrutura das torres, aterramento e devastação de dunas, deslocamentos forçados de populações com destruições de modos de vida de populações tradicionais, expropriação de terras (com cláusulas contratuais draconianos de arrendamento), e pagamento irrisório dos arrendantes. É necessário uma ampla revisão da conduta das empresas que não cumprem as boas práticas socioambientais, e dos órgãos governamentais (https://congressoemfoco.uol.com.br/temas/meio-ambiente/geracao-eolica-nao-cumpre-as-boas-pratica-socioambientais/), que compactuam com as inúmeras violações cometidas pelos “negócios do vento”. (https://portal.unicap.br/-/por-que-nao-discutir-os-impactos-socioambientais-dos-negocios-do-vento).
A insistência em programas nucleares, com as indesejáveis usinas e submarinos nucleares
A opção por usinas nucleoelétricas no território nacional é um dos maiores erros na política energética brasileira, decidida por poucos. O Brasil não precisa das usinas nucleares para produzir energia elétrica, principalmente pela grande diversidade de fontes renováveis disponíveis. Ao analisar sob diversos aspectos a instalação de usinas nucleares, não faltam razões para rejeitar esta tecnologia, que vão desde a questão da segurança energética, o alto custo da energia gerada, a poluição ambiental, aspectos sociais, os enormes riscos provocados, a proliferação e militarização nuclear, criando a insustentabilidade energética, e interferindo na própria democracia (https://www.ecodebate.com.br/2019/08/29/porque-o-brasil-nao-precisa-de-energia-nuclear-artigo-de-heitor-scalambrini-costa-e-zoraide-vilasboas/). Uma forte influência da poderosa indústria nuclear em diversos países da América Latina é exercida nos setores legislativos e sobre os decididores da política energética, tentando impor tal tecnologia, sob o falso argumento de que a energia nuclear é uma fonte “limpa”, segura, barata, e que contribui para evitar o aquecimento global. No caso do uso militar desta tecnologia, o Brasil tem avançado na construção de submarinos nucleares, com um olho na fabricação da bomba nuclear tupiniquim.
Regramento “às pressas” para geração eólica offshore
A pressão das empresas, dos grandes investidores nacionais e internacionais levou o governo federal açodadamente a propor regras para a contratação de áreas marítimas (costa de 7.367 km e 3,5 milhões km2 sob jurisdição) para a instalação de complexos eólicos offshore. Como é recorrente nas decisões sobre política energética a falta de transparência e a participação da sociedade civil foi inexistente. As portarias ministeriais editadas em 20 de outubro último, vieram atender os “negócios do vento”, os principais beneficiários. Grande parte do que está posto nas atuais regras, veio do setor representado pela Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). A Portaria no 52 do Ministério das Minas e Energia (MME) detalha a delegação de competência à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que terá amplos poderes. A Portaria Interministerial no 3, definiu regras para a criação e funcionamento de um Portal Único de Gestão do Uso de Áreas Offshore. As portarias são uma continuidade do decreto 10.946/2022, que iniciou o estabelecimento do marco regulatório. Se já conhecemos os impactos socioambientais das instalações terrestres, negados pelos empreendedores, e com a omissão do poder público, o que poderá representar estas instalações para a sobrevivência das populações que vivem da pesca e da coleta de frutos do mar? E os impactos para o meio ambiente marítimo com centenas e mesmo milhares de aerogeradores? Além do uso tradicional (recreacional, pesca, turismo e navegação), como vai interferir em outras atividades: científicas e econômicas? A corrida para a produção de energia elétrica pelos complexos eólicos offshore é grandiosa. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contabiliza 170 gigawatts (GW) em projetos (em torno de 11.500 aerogeradores), aguardando licenciamento. O volume de energia gerado terá como principal objetivo produzir a nova commodity sensação, o hidrogênio. E assim desenvolver projetos eólica offshore/hidrogênio, mesmo que tenham custos mais altos.
Investimentos crescentes na indústria de petróleo e gás (aumento da produção)
Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo (ABESPetro) os investimentos da indústria de petróleo e gás no Brasil alcançarão em torno de US$24 bilhões por ano, ou o equivalente a R$120 bilhões/ano, até 2025. Os projetos já aprovados totalizam investimentos de US$156 bilhões até 2030. Estes números mostram que mesmo o petróleo e gás, fontes fósseis de energia, são os maiores emissores de GEE’s, o país ainda privilegia e financia quem provoca o aquecimento global.
O governo brasileiro se comprometeu a neutralizar as emissões de dióxido de carbono até o meio do século, e até 2030 reduzir pela metade; e erradicar o desmatamento ilegal até 2028. As promessas brasileiras já não são mais credíveis, diante de tantas ações contrárias ao enfrentamento da emergência climática.
Devemos levar em conta que toda atividade humana acarreta algum tipo de risco, de impacto sobre o meio ambiente e as pessoas. Devemos avaliar se o risco compensa. Infelizmente verifica-se que o tal propalado desenvolvimento sustentável é algo usado como propaganda, sem ações robustas e concretas que justifiquem o almejado desenvolvimento que enfrente as desigualdades sociais, a fome, e que promova a justiça socioambiental.
Do lado das empresas, seu propósito não é salvar o mundo, mas sim lucrar, obter o máximo de lucro, e assim deixar seus acionistas e os mercados satisfeitos. Do lado do governo federal, existe uma inequívoca decisão de contrariar os preceitos da ciência, diante dos constantes alertas sobre a grave crise energética-ecológica; e assim caminhar na direção do desastre climático. Logo, resta à sociedade (re)agir diante das decisões equivocadas do atual governo.
Heitor Scalambrini – Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França. É também membro da Articulação Antinuclear Brasileira.
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